Promotor de Justiça, Manuel Pinheiro já foi presidente da ACMP e hoje ocupa a vice-presidência da renomada IAP – International Association of Prosecutors, entidade a que faz referência como um dos principais temas desta entrevista.

1. Como surgiu a International Association of Prosecutors (IAP) e qual o seu papel no cenário internacional?

A IAP foi fundada em 1995, sob os auspícios da ONU, tendo como missões básicas promover a cooperação entre Ministérios Públicos no combate à criminalidade organizada transnacional e defender a dignidade das instituições e a independência de seus membros. Atualmente, a IAP é formada por aproximadamente 170 organizações, entre procuradorias-gerais e entidades de classe, e quase 2.000 membros individuais, que atuam como procuradores e promotores em mais de 140 países. Desde a sua criação, a IAP tem colaborado com a ONU na elaboração de documentos de Direito Internacional pertinentes à organização e ao funcionamento dos sistemas de justiça, principalmente nas matérias relacionadas com as funções do Ministério Público e as garantias de procuradores e promotores. Essa colaboração também abrange a publicação de manuais de boas práticas e na realização de cursos e treinamentos direcionados ao combate ao tráfico de drogas, de armas e de pessoas, ao terrorismo, à corrupção e à lavagem de dinheiro, etc., sempre mantendo foco na efetividade, na imparcialidade e no respeito aos direitos humanos durante a persecução penal.

2. Quais proveitos o Ministério Público brasileiro pode extrair do contato com entidades congêneres de outros países?

Eu tenho muito entusiasmo com o aprofundamento das relações com outros Ministérios Públicos, tanto no que diz respeito à cooperação jurídica internacional em casos concretos, quanto na troca de experiências através de programas de intercâmbio. De fato, além de possuir um mínimo de conhecimento sobre o ordenamento jurídico, manter bons contatos com colegas em outros países é fundamental para o sucesso de qualquer diligência investigatória ou medida judicial a ser executada em uma jurisdição estrangeira, sobretudo em situações que exigem respostas rápidas, como o rastreamento de ativos e a captura de foragidos. O Ministério Público Federal tem atuado com eficiência em vários casos recentes envolvendo fuga de processados e condenados, bem como lavagem de dinheiro transnacional. O Ministério Público do Estado de São Paulo também já possui experiências bem sucedidas nessa área. E penso que há uma tendência ao aumento dessa demanda para todos os Ministérios Públicos estaduais, haja vista que o crime organizado não respeita fronteiras nacionais.

03. Como funciona o Programa de Intercâmbio da IAP?

O objetivo principal do Programa (PEP) é facilitar a troca e a disseminação de informações, experiências e boas práticas sobre técnicas de investigação e gestão de processos em casos mais complexos. Através do Programa, os Ministérios Públicos participantes (Austrália, Canadá, China, Estados Unidos, Holanda, Inglaterra, Suíça,…) podem enviar e receber procuradores/promotores para participar de cursos de capacitação em suas escolas e unidades de treinamento. No Manual do Programa há informações sobre as áreas de interesse de cada Ministério Público, bem como as informações de contato dos encarregados pela gestão dos estágios de cada um deles. Então, a partir desse repositório de informações, os participantes são estimulados a contatar uns aos outros visando negociar os termos específicos dos acordos de cooperação que sejam mais adequados às respectivas prioridades, necessidades e limitações. A IAP acompanha e participa das tratativas, mas não controla a execução dos acordos bilaterais ou multilaterais firmados através do Programa. São os próprios Ministérios Públicos interessados que decidem sobre as formas como irão enviar ou receber os procuradores e promotores em seus cursos e treinamentos. Nós temos feito um esforço para convencer os procuradores-gerais a incluir as escolas superiores e a designar coordenadores locais que seriam encarregados de garimpar essas boas oportunidades de aperfeiçoamento, que são orientadas para a prática funcional e possuem um custo relativamente baixo. Não podemos perder essa oportunidade, até mesmo porque o mundo precisa conhecer melhor o nosso modelo de Ministério Público. A nossa instituição já possui um protagonismo continental, mas tem tudo para se tornar um paradigma com projeção internacional.