MariaPenhaNeste mês de agosto se comemora os 10 anos de vigência da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), criada para prevenir e punir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Ao longo desta caminhada, a Lei sofreu e ainda sofre vários ataques na sua interpretação, sobretudo, por operadores do Direito. Inicialmente, vários profissionais da área (delegados de polícia, promotores de Justiça, advogados, defensores Públicos, juízes, desembargadores e ministros) compreendiam que o crime de lesão corporal leve era de ação pública condicionada à vontade da vítima, que após a representação da ofendida na Delegacia, nos crimes de ação pública condicionada, com a remessa do inquérito ao juízo era obrigatória a designação de audiência (art. 16, da LMP) para ratificar antedita representação ou para desistir da ação e que as medidas protetivas de urgência eram cautelares dependentes do processo principal. Muitos entendiam, também, que a Lei feria o princípio constitucional da igualdade entre homens e mulheres.

Todas essas interpretações enfraqueciam a Lei Maria da Penha e desmotivavam a mulher em situação de violência a buscar os órgãos de proteção, pois seriam necessárias várias idas e vindas a esses órgãos.

Mas atendendo a ações da Presidência da República e do Ministério Público, em fevereiro de 2012, o Supremo Tribunal Federal manteve a Lei assim como ela foi aprovada, declarando-a constitucional e determinando que os demais órgãos seguissem o seu entendimento (ADC n.º -19 e ADI n.º 4424). Assim, as lesões corporais leves, as lesões corporais culposas e as vias de fato (STF-HC-106212-MS) são infrações penais de ação penal pública incondicionada e se processam independentemente da vontade da mulher. Como consequência, na ocorrência desses casos, havendo prisão em flagrante do agressor, a polícia tem a obrigação de proceder à confecção do inquérito policial, e não a de um mero Termo Circunstanciado de Ocorrência, que trazia em si a ideia de delitos de pequeno potencial ofensivo, muitos deles de insignificância penal, princípio inaplicável aos delitos de violência doméstica.

Por outro lado, os demais tribunais do país têm firmado o posicionamento de que a audiência preliminar em juízo para que a mulher diga se quer ou não processar seu agressor nos crimes de ação pública condicionada não é obrigatória e somente deve ser realizada se a vítima assim o desejar. Há entendimento, outrossim, que as medidas protetivas são autônomas, não dependem, pois, da existência de inquérito policial ou processo criminal para sua existência.

Essas medidas fortalecem a efetivação da Lei e empoderam a mulher em situação de violência, que ficará livre de coação do agressor ou de quem quer que seja para retirar a “queixa”, termo popularmente conhecido e largamente utilizado. Além de evitar que a mulher abandone seus afazeres para ir aos órgãos da rede, sobretudo a audiências que lhe eram impostas, completamente desnecessárias.

Contudo, atualmente, o Congresso Nacional, mais precisamente o Senado Federal, analisa o PLC n.º 07/2016, que tenta alterar parte do trâmite de atendimento e proteção às mulheres vítimas de violência doméstica.

O Projeto em discussão tem despertado polêmica no país, porque há um trecho, inserto no art. 12-B, que autoriza delegados de polícia a concederem medidas de proteção às vítimas – como a proibição do agressor de se aproximar da ofendida e testemunhas, por exemplo. Hoje, essa prerrogativa cabe apenas ao Poder Judiciário.

Para várias entidades que defendem a Lei Maria da Penha, como é o caso da COPEVID – Comissão Nacional de Combate a Violência Doméstica, que congrega membros dos Ministérios Públicos Estaduais, da República e do Trabalho de todo o Brasil, essa proposta é inconstitucional e poderá trazer mais polêmica do que mesmo solução e facilidade à mulher. Pela Constituição Federal, somente o Poder Judiciário poderá restringir o direito de ir e vir das pessoas. Excepcionalmente, esta mesma Constituição Federal e o Código de Processo Penal, obrigam a polícia e facultam a qualquer do povo a restringir a liberdade de alguém quando em flagrante delito. Portanto, somente o Poder Judiciário poderá conceder medidas protetivas de urgência, as quais restringem o direito de ir e vir dos eventuais agressores.

No âmbito da discussão deste tema o Núcleo Estadual de Gênero Pró-Mulher do Estado do Ceará, órgão do Ministério Público Estadual, cumprindo uma das suas atribuições, ao perceber essa posição contrária à Constituição, cuidou de manter contato com o Instituto Maria da Penha, sugerindo a intervenção da sua instituidora, senhora Maria da Penha Maia Fernandes a emitir posicionamento postulando ao Senado amplo debate sobre o projeto, uma vez que ele estava tramitando em regime de urgência e poderia passar despercebido pelos legisladores.

Além da nota emitida, a senhora Maria da Penha Maia Fernandes, no dia 17 de agosto do corrente ano, esteve em uma Sessão Solene do Congresso Nacional para a comemoração da referida Lei, com a representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman e manifestaram a preocupação com a votação do Projeto de Lei. O presidente do Senado Renan Calheiros, reconheceu a lei como um marco de mudanças comportamentais e culturais que vem salvando vidas, punindo agressores e educando a sociedade.

Ele concorda que deve haver um roteiro de debates sobre o referido projeto e garantiu dialogar com as Senadoras visando a obter essa finalidade. Ponderou que não pretende colocar a matéria em votação[1].

 

                                                  ANAÍLTON MENDES DE SÁ DINIZ

     Promotor de Justiça

Coordenador do Núcleo Estadual de Gênero Pró-Mulher

 

[1]              Disponível em:  https://www12.senado.leg.br/institucional/presidencia/consultarnoticia?noticia_id=maria-da-penha-manifesta-preocupacao-com-projeto-que-trata-de-medidas-protetivas. Acesso em 23/08/2015.