Lula admite que sabia de denúncia; CPI ganha força A crise em que está enredado o governo Luiz Inácio Lula da Silva chegou ontem ao seu momento mais agudo, provocado pelo impacto da entrevista que o presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), concedeu à Folha. Pela primeira vez, desde que surgiram suspeitas de corrupção em estatais e de tráfico de influência envolvendo parlamentares da base governista, o noticiário político chacoalhou a economia: a Bolsa caiu e o dólar subiu. Já ao final do dia, depois de reunião no Planalto entre alguns ministros do chamado núcleo político do governo e o presidente, Aldo Rebelo (PC do B), da Coordenação Política, veio a público para divulgar a versão oficial sobre o caso. Procurou preservar o governo e a figura de Lula das denúncias de Jefferson, segundo as quais o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, alimentava parlamentares do PL e do PP com uma mesada de R$ 30 mil -batizada de “mensalão”.

Aldo confirmou que o presidente encontrou-se com Jefferson em março. Admitiu também que Lula tomou conhecimento da denúncia do deputado. Segundo Aldo, porém, o caso já havia sido investigado pela Câmara em setembro de 2004, quando houve a primeira denúncia sobre a existência de tal mesada. A investigação na Câmara mencionada pelo governo foi recebida e arquivada pela Corregedoria da Casa em um só dia porque o autor das denúncias na época, o deputado e ex-ministro Miro Teixeira (RJ), hoje no PT, negou que tivesse sido a fonte das informações.

Ontem, porém, Miro confirmou que ouviu do próprio petebista a história que Jefferson contou à Folha. Além dele, o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes (PPS), também confirmou que ouviu de Jefferson, em sua sala, “boatos” de que haveria distribuição de mesada na Câmara. O governador Marconi Perillo (PSDB-GO), por sua vez, revelou ontem que fez comentário semelhante, sobre a existência do chamado “mensalão”, num encontro com Lula ocorrido em 2004. Diz ter ouvido que Lula tomaria providências.

O clima ontem no Congresso foi de exaltação. Os governistas já vêem a CPI dos Correios como um fato inevitável. A oposição pediu apuração das responsabilidades, convidando Jefferson, cinco ministros e 24 políticos e empresários para depor no Senado. O PSDB foi cauteloso e falou em pacto de governabilidade e manutenção da ordem institucional; pefelistas, no entanto, citaram várias vezes a palavra impeachment. Muitos dos políticos mencionados por Jefferson como conhecedores do esquema de Delúbio negaram saber do assunto e desqualificaram o deputado. O PT, por sua vez, divulgou uma nota dizendo que as denúncias careciam de fundamento. Reunido na sede do partido em São Paulo, Delúbio só saiu de lá à noite, sem falar à imprensa. Lula também evitou declarações. Procurou manter seus compromissos pré-agendados, mas pela manhã, num evento em São Paulo, fumou duas cigarrilhas em meia hora.

Na Espanha, Dirceu diz que “não viu nada” FÁBIO GUIBU DA AGÊNCIA FOLHA, EM FORTALEZA O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), afirmou ontem, em Fortaleza, que “cabe uma CPI” para investigar a denúncia feita pelo presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), de que parlamentares da base aliada teriam recebido uma “mesada” de R$ 30 mil, pagos pelo tesoureiro do PT, Delúbio Soares, para votar a favor do governo. “É claro e evidente que cabe uma CPI”, disse Severino. “Você acha que um deputado que está extorquindo merece continuar como representante do povo?” Mas o presidente da Câmara, em seguida, ressaltou que acredita que a própria corregedoria da Casa pode tomar as providências para “apurar e punir” as supostas irregularidades. “Se forem verdadeiras [as denúncias], tem que cassar todos os mandatos dos deputados que estão enriquecendo ilicitamente”, afirmou. “Deputado tem que lutar pela equivalência salarial, e não roubar a nação.” Severino, que integra um dos partidos citados por Jefferson como beneficiário das “mesadas”, afirmou que o líder petebista está desesperado por ter seu nome envolvido em denúncias de corrupção nos Correios. “O deputado Jefferson, por estar nesse desespero, está jogando pedras em todos os setores. Eu não acredito [nas denúncias].” Severino disse que, “como presidente da Câmara”, nunca ouviu falar de mesada na Casa e que as acusações envolvendo membros do PP “não procedem”. Ele disse ainda que Roberto Jefferson “precisa de tratamento psíquico”. “Tenho o mais profundo respeito por ele, mas ele guardar isso por tanto tempo… Se ele esteve com o presidente em janeiro, por que não denunciou antes?”

Líderes de PP e PL, partidos acusados de serem beneficiários de suposta “mesada” de R$ 30 mil do governo, foram ontem ao ataque, prometendo processar o presidente nacional do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ). Na irritada reação de líderes dos partidos, Jefferson foi chamado de “irresponsável”, “mentiroso”, “louco”, “chantagista” e “covarde”. O líder do PL na Câmara, Sandro Mabel (GO), reagiu com ironia. “Se realmente tivesse mesada, o governo nem precisava de líder na Câmara. A coisa andava sozinha”, disse. Segundo ele, a maior evidência é a dificuldade do governo em aprovar seus projetos. Entre as lideranças do PP, o tom também foi de indignação. Em nota, o deputado Pedro Corrêa (PE), que, segundo Jefferson, teria expressado preocupação com a possibilidade de a mesada vir à tona, negou “veementemente” que algum membro de seu partido tenha recebido dinheiro do PT. “O relacionamento do PP com o governo é pautado exclusivamente pela defesa dos projetos de interesse do país e pela garantia da governabilidade”, disse Corrêa. Imprensa faz “manchetismo”, diz Fonteles

ESCÂNDALO DO “MENSALÃO” Procurador-geral da República, que tem o poder de pedir ao STF investigação contra Lula, minimiza suspeitas de corrupção SILVANA DE FREITAS DA SUCURSAL DE BRASÍLIA O procurador-geral da República, Claudio Fonteles, disse ontem que a imprensa faz “um manchetismo danado”, minimizando as suspeitas de corrupção no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, criadas pela entrevista do presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson. “O Brasil está passando por momentos difíceis? Está. A imprensa hiperavalia isso, faz um manchetismo danado. Isso é da vida. A gente não deve se apavorar nem se amedrontar por causa disso”, afirmou Fonteles, no início da noite de ontem, ao discursar na posse de novos procuradores da República. “A crise é o alimento da democracia. Só o ditador não gosta da crise”, afirmou. O procurador-geral tem o poder exclusivo de pedir ao STF (Supremo Tribunal Federal) investigações criminais contra o presidente da República, ministros de Estado e deputados, por causa do foro privilegiado. Fonteles disse, por meio de sua assessoria, que estuda as declarações de Jefferson para decidir se tomará alguma providência. O mandato dele termina no próximo dia 30. Lula ainda não indicou o sucessor. O procurador-geral disse que, em 30 anos de carreira no Ministério Público Federal, viu “tempestades e noites escuras”. STF e o esquema PC Dois ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) -Marco Aurélio de Mello e Carlos Ayres Britto- consideraram “muito grave” a afirmação do presidente nacional do PTB, deputado Roberto Jefferson, de que o tesoureiro do PT dava mesada de R$ 30 mil a congressistas. Para dois ministros que falaram em caráter reservado, há indícios de prática dos crimes de corrupção e prevaricação. Em razão do caráter aparentemente institucional do chamado “mensalão”, que seria a obtenção de apoio de parlamentares ao governo, os ministros dizem haver a possibilidade de envolvimento do presidente Lula. Um deles disse que o caso da “mesada” pode ser mais grave que o esquema PC, que levou à renúncia do ex-presidente Fernando Collor. Nas acusações contra Collor, o dinheiro teria sido desviado em benefício de pessoas, sem envolver o governo. Marco Aurélio defendeu a apuração dos fatos, ao se dizer “perplexo”. Britto, que é ex-petista (1985 a 2003) e foi indicado por Lula para o STF, afirmou estar “estupefato”, mas que esperaria explicações do PT e do governo. Processos Um presidente pode responder a processo político, de impeachment, perante o Senado, e a processo judicial, por crime, perante o STF. No primeiro caso, qualquer cidadão pode denunciá-lo. No segundo, apenas o procurador-geral. Nos dois casos, o processo só será aberto se for aprovado por dois terços dos deputados. O Código Penal prevê de um a oito anos de prisão nas condenações por corrupção. A pena de prisão para a prevaricação varia de três meses a um ano. Esse crime é definido como “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.