“Minha história não permite chantagem” A denúncia da hora continuará com Ozeas Duarte, membro da executiva nacional do PT, e não com o deputado estadual José Nobre Guimarães (PT) – que teve o nome envolvido no escândalo do dinheiro transportado na cueca de seu ex-assessor Adalberto Vieira. Guimarães, entrevistado no final da tarde de ontem, não aceitou a batata quente repassada, em entrevista exclusiva de O POVO, por Ozeas e a devolveu ao companheiro de partido.

José Guimarães nega saber a informação que revelaria um esquema que estaria por trás da tempestade de denúncias contra o PT que também chegou ao Ceará.

Irmão do ex-presidente do PT, José Genoíno, ele diz não estar sendo chantageado e garante desconhecer a versão apresentada por Ozeas Duarte de que o episódio do ”dinheiro na cueca” faça parte de uma armação nacional arquitetada pelo banqueiro Daniel Dantas, dono do Opportunity.

Contrariando o companheiro Ozeas Duarte, o parlamentar cearense afirma que não tem elementos, ou informação privilegiada, para sustentar a tese de que Daniel Dantas e o advogado Kennedy Moura, ex-assessor do BNB, também acusado de envolvimento no escândalo do dinheiro na cueca, sejam peças no jogo de xadrez que pode dar um xeque-mate no governo do presidente Lula e inviabilizar de vez o Partido dos Trabalhadores.

Mais comedido no falar – estratégia traçada por ele, advogados e alguns amigos que restaram no PT – José Guimarães deu a entender que mergulhará por uns tempos. Até que a nuvem de denúncias passe e o Ministério Público e a Polícia Federal desvendem de vez o caso. Só então, voltará a dormir e fazer coisas triviais como falar amenidades (ao telefone) com a mãe (que mora em Quixeramobim) e assistir aos jogos do Fortaleza no Castelão pelo Campeonato Brasileiro de Futebol. Confira a seguir, os principais trechos da entrevista.

O POVO – O ex-dirigente petista Ozéas Duarte disse que o senhor sabe quem é dono do dinheiro que foi encontrado com seu ex-assessor, Adalberto Vieira, mas que não revela a informação porque estaria sendo chantageado. É verdade?

José Guimarães – Em primeiro lugar, eu gostaria de reafirmar que eu não tive nem tenho qualquer participação nessa viagem do Adalberto. A única relação é o fato de ele ser meu ex-assessor. As versões maldosas que disseram que tinham fita comigo no hotel, que eu tinha etsado com o Adalberto, tudo isso veio abaixo pelo próprio delegado da Polícia Federal que está presidindo o inquérito. Segundo, todas as versões – do Adalberto, do delegado da PF ou do Ozeas – dão conta que eu não teria nenhum envolvimento com isso. O Ozeas foi além e disse que eu sei de coisas que não revelo porque estou sendo chantageado. Mas eu não estou sendo chantageado. A minha história no PT e minha vida pessoal não permitem que eu seja chantageado. Se eu estivesse sendo chantageado eu tomava algumas providências. Primeiro, comunicava ao presidente da Assembléia para a Casa me defender. Segundo, comunicaria à Polícia Federal para me proteger. Porque é um perigo eu estar num momento de fogo cruzado desses e alguém por trás estar me chantageando.

OP – Por que o Ozeas disse isso, então?

Guimarães – No momento da crise, nós estabelecemos uma divergência de tese entre eu e o Ozeas. A entrevista dele é toda na tese de que existia uma associação entre membros do PT e o grupo Opportunity e que foi isso o responsável para detonar o Genoino, armação do seu Delúbio, e que tem ramificações com o Kennedy. Eu não sei desta história e nunca disse esta história para ele. Quem me disse foi um repórter da Globo, no domingo à tarde. Ele me disse: ”Deputado, o senhor se hospedou no hotel Blue Tree da Faria Lima?”. Eu disse que não. ”Você tem certeza?”. Disse que tinha. ”Não, por que tem uma história de que o Adalberto esteve lá e que você se encontrou com ele”. E continuou: ”Você sabe de quem é este hotal? É do grupo Opportunity, do Brasil Telecom”. Essa conversa rolou na reuião do PT. Os que defendiam a tese da armação começaram a fazer considerações de que poderia ser coisa do grupo do Daniel Dantas. Mas isso eram conversas individuais, não era uma história fundamentada.

OP – Isso foi o que o senhor conversou com o Ozeas?

Guimarães – Foi o que aconteceu em São Paulo. Aí, nós chamamos o Kennedy (Moura) em São Paulo. E eu nunca disse que ele assumisse (o dinheiro) porque era ”razão de Estado” mas que ele tinha de ir a São Paulo que aquilo era uma razão de estado porque muitos companheiros do PT avaliavam que era uma armação. Por que na sexta-feira (quando o Campo Majoritário se reunia para discutir se mantinha ou não José Genoino na presidência do PT), por que meu crachá dentro da mala, tudo isso. E nós chamamos o Kennedy.

OP – Como foram os encontros que o Ozeas relata?

Guimarães – Só houve uma reunião. Foi com o Francisco Rocha (um dos líderes nacional da Articulação, responsável pela região Nordeste, e integrante do Diretório Nacional do partido) e o Danilo Camargo (advogado e presidente da Comissão de Ética do PT Nacional).

OP – Por que o senhor chamou os dois?

Guimarães – Por que o Rocha é membro do Campo Majoritário e o Danilo é presidente da Comissão de Ética. O que fizemos nessa reunião? ”Sabe ou não sabe Kennedy?” Isso foi o que houve. Quando o Kennedy disse que não sabia do Adalberto e que ele, Kennedy Moura, ia conversar primeiro com os advogados, o Rocha até ficou estarrecido e disse: ”De quem é esta merda? Quem está por trás desse troço? Quem vai assumir o ônus disso? O PT não tem nada a ver com isso e o Guimarães muito menos”. A reunião terminou exatamente nesse estado de espírito.

OP – Mas o Ozeas disse com todas as letras que nessa reunião ficou claro quem tinha enviado o Adalberto para São Paulo.

Guimarães – Para mim, e nem para os dois companheiros, isso é conversa do Ozeas, que não estava na reunião. Para mim, nem o Kennedy afirmou nem eu soube na reunião quem tinha mandado o Adalberto.

OP – Ele disse que você tinha feito esse relato e que teria sido confirmado pelos dois dirigentes.

Guimarães – Vocês mandam o Ozeas provar e entrevistam os outros dois (participantes da reunião).

OP – Essa reunião foi onde?

Guimarães – No Hotel Parthenon. O Ozeas disse na entrevista que eu tive uma reunião em uma praça. Essa praça foi a do hotel, não teve nada a ver com praça. Não teve nada de outra pessoa. Deve ter câmara filmada no hotel. Isso é ilação.

OP – Mas o senhor disse que não houve o encontro na praça.

Guimarães – Não houve. O encontro que houve foi no hotel, ao lado dessa praça. Eu fiquei conversando com os meninos na recepção do hotel quando terminou a reunião e o Kennedy saiu para conversar com um advogado. Eu fiquei andando na praça de um lado para outro. Não teve nada de reunião.

OP – Não houve oferta alguma?

Guimarães – Não houve oferta de ninguém para assumir. Até porque como é que eu ia receber oferta para alguém receber uma coisa que não é minha? Imagina. Eu tenho consciência de que não é meu. Eu me recuso a partir desse momento de ficar acusando fulano ou sicrano. Isso não é meu papel. Não sou Polícia Federal nem Ministério Público. O que estava ao meu alcance eu fiz: demiti os assessores e dei aos órgãos competentes os papéis da locadora.

OP – Segundo o Ozeas, a reunião que o senhor teve em São Paulo com o Kennedy teria esclarecido quem mandou o Adalberto para lá. Não há elemento nenhum para dizer isso, então?

Guimarães – Você consulte os três, o Guimarães, o Rocha e o Danilo, para saber se nós saímos dessa reunião com algum indício da origem ou desse dinheiro. Isso é um absurdo. Vocês querem que eu responda se o Ozeas… Ele tem que responder, não sou eu. Ele que afirmou, ele que procure se explicar agora. Para encerrar esse ponto: nesta reunião, nós não concluímos isso porque não tínhamos informações e nem provas.

OP – O que motivou o Kennedy, que sempre foi muito próximo ao senhor, ir a público dizer que foi pressionado para assumir a culpa?

Guimarães – Só posso imaginar que foi por causa da declaração do Vicente. Só pode ser isso… Eu não estou preocupado com isso. Só tem uma coisa que eu vou perseguir agora, que é a verdade.

OP – O senhor disse que nunca falou que o dinheiro apreendido iria para a locadora de veículo. Mas o senhor deu uma entrevista à Rede Globo divulgando essa nova versão.

Guimarães – Eu só disse na Globo o seguinte: esses fatos evidenciam que eu não tenho nada a ver com isso. Essa foi a minha declaração.

OP – Que fatos evidenciam isso? Só o fato do seu assessor ter uma locadora não prova nada…

Guimarães – A locadora, essas coisas todas. Era um indício de que o Adalberto estava se movimentando financeiramente.

OP – O senhor falou com os dois hoje, o Rocha e o Danilo?

Guimarães – Falei só para fazer uma consulta: posso dizer os nomes? E eles responderam ”claro, pode dizer os nomes”.

OP – Por que o senhor demitiu o Vicente?

Guimarães – Porque ele também tinha feito uma coisa sem o meu conhecimento, montar a locadora. Vocês acham que dava para manter a confiança? Como é que um funcionário que ganha mil e poucos reais num gabinete começa a montar um negócio sem avisar o deputado? Isso não daria problema no futuro? Ele foi exonerado já terça-feira da semana passada (dia 12) à noite. A política não pode se misturar com o privado.

OP – O senhor sabe quem está pagando os advogados do Adalberto?

Guimarães – Aí você tem que perguntar à polícia, não para mim. O que eu tenho a ver com isso? Ele me procurou para contratar advogado? Não sei, eu nem conhecia esse advogado lá de São Paulo.

OP – O senhor acreditou na versão do Adalberto, de que o dinheiro era de um amigo dele de São Paulo?

Guimarães – Não me cabe acreditar em versão de ninguém. Tem de esperar as investigações. Já sofri demais, injustamente. E só vou falar da defesa que vou fazer aqui na Assembléia. Qual é o crime que eu cometi a não ser o fato de serem meus assessores? Aí você diz: o Kennedy tinha relações políticas com você. Claro que tinha. Mas como eu tinha com o Ozeas. Como a Luizianne (Lins, prefeita) tem com o João Alfredo (deputado federal). Então não posso me responsabilizar pelos passos políticos de ninguém do PT. E eu desafio alguém a comprovar que eu esteja sendo chantageado.

OP – Como está a sua vida pessoal depois de tudo isso?

Guimarães – Tenho duas coisas que estão me martirizando muito. Primeiro é o sofrimento do meu pai e da minha mãe. As pessoas dizem que eu sou uma pessoa abastada… Meu pai tem 84 anos, acabou de sair de uma cirurgia no Hospital de Messejana. Minha mãe está muito mal, está com 79 anos. O maior patrimônio deles eram os dois filhos. E o segundo (sofrimento)… Se não fossem os meus amigos, parte do PT, meu gabinete e as dezenas de centenas de telefonemas que recebo dos diretórios municipais, eu não teria suportado. O pior já passou. Eu cheguei a pensar que não valia a pena mais nada. Porque é dose. É dose você ser criminalizado sem… No PT, infelizmente, esse partido que eu dediquei a minha vida muito mais do que qualquer outro aqui no Ceará, ele bota na cruz, mas não quer tirar da cruz. Encontrei muitas pessoas de caráter de outros partidos, impressionante.

OP – O senhor se sente injustiçado pelos companheiros do PT?

Guimarães – Me sinto injustiçado porque, até o momento, ninguém provou nada contra mim. Não teve uma coisa mais confortante do que aquela declaração do delegado da Polícia Federal (José Pinto de Luna, que disse não ter encontrado indícios que ligassem o dinheiro ao deputado). A minha vida virou um pandemônio. Tendo que ligar todo o dia para a minha mãe, porque ela acompanha tudo na televisão. Lá, é energia recente. Era bom que nem tivesse levado energia para lá, para ela não estar passando por esse sofrimento.

OP – O senhor encontrou mais conforto dentro do PT ou fora?

Guimarães – Fora do PT. Esse é um fenômeno… O PT precisa passar por uma revolução radical e democrática interna. Na política, nos costumes e na prática. Nada melhor do que uma crise dessa para você desvendar tudo.

OP – O senhor guarda mais mágoa de quem? Do Adalberto? Do Kennedy?

Guimarães – Evidentemente que há muita decepção. Mas não é hora de avaliar isso. A hora é de superar a crise, restabelecer a verdade. E depois… Não tem males que não venham para o bem. Eu não serei mais o mesmo dentro do PT. Hoje eu conheço mais as pessoas do PT. É numa hora dessas que você conhece as pessoas. No bem-bom, você não conhece ninguém, é hipocrisia.

OP – O senhor dorme?

Guimarães – Não. (…) Eu tenho um sexto sentido, tenho certeza. Sei quando as coisas vão acontecer. Quando foi sexta-feira (8, dia da prisão do Adalberto), eu tive um sonho muito ruim em São Paulo. Acordei e ele já estava era preso.

OP – E quando você sai na rua?

Guimarães – Tenho evitado… Queria ter ido para o jogo ontem, porque eu torço para o Fortaleza. Mas quando vou a algum restaurante, até agora não recebi nenhuma hostilidade. As pessoas não falam nada ou querem informação. ”Você foi ou não usado?’ ”O assessor te traiu ou não?’ Essas são as duas perguntas que mais me fazem. E eu me pergunto porque tamanha injustiça. Porque naquele dia?

OP – O senhor acha que a sua carreira política foi liqüidada por causa disso?

Guimarães – Não, acho que não é hora de discutir isso, não. A hora é de estabelecer a verdade.

OP – No início, o senhor reagiu, foi atrás de provas, de dar a sua versão. Por que agora o senhor se recolhe e prefere evitar falar sobre o Kennedy, o Adalberto?

Guimarães – Porque eu estava tão de peito aberto e eu vi tanta maldade nesse negócio… Quando eu procurei o advogado, todas as pessoas que eu consultei me disseram: olha, te recolhe, não adianta. E eu sozinho feito um doido respondendo, respondendo, e todo mundo atirando. Não podia fazer mais isso. Mudei a estratégia porque passei a não decidir só