“Vampiros” agiam também em Estados e municípios Escutas feitas pela Polícia Federal revelam que lobistas presos pela Operação Vampiro, sob a acusação de terem fraudado compras de medicamentos realizadas pelo Ministério da Saúde, também atuavam em licitações de secretarias estaduais e municipais de Saúde. O objetivo, segundo a PF, era combinar preços e ter um esquema de “rodízio” entre as empresas vencedoras.

As conversas telefônicas gravadas pela PF revelam que pelo menos Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará (Fortaleza) e Paraná ou foram alvo ou estavam nos planos do grupo que a polícia chama de quadrilha.

Os diálogos são parte do relatório de 330 páginas elaborado pela equipe de inteligência da PF. O documento sustentou o pedido de prisão, de indisponibilidade de bens e de quebras de sigilo bancário, fiscal e telefônico de 17 lobistas, empresários e servidores acusados de comandar o esquema de fraudes na compras de remédios. O relatório das conversas não informa se havia funcionários estaduais ou municipais envolvidos.

As investigações da PF concluem que os lobistas se organizaram em um sistema que batizaram de “rodízio” ou “compensação” para acertar previamente quem venceria cada licitação. Nas cópias há exemplos da atuação dos lobistas em compras que seriam da Secretaria Estadual de Saúde do Paraná e outra da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo.

O monitoramento da PF registrou as tratativas desencadeadas por lobistas que atuam de maneira mais intensa no segmento de hemoderivados. São eles: Marcelo Pupkin Pitta (Fundação do Sangue, American National Red Cross e Panamerican); Eduardo Job e Antônio Carlos (Cristália); Elias Abboadalla e Ramis (Baxter e Immuno); e Atílio Abrate (Aventis Behring). A relação entre os laboratórios e os envolvidos é clara no relatório da PF.

A articulação para fraudar a compra de imunoglobulina no Paraná, ocorrida em 5 de maio de 2003, teria sido feita cinco dias antes dessa data. Marcelo Pitta seria o organizador da operação, e Abrate, Ramis, Abboadalla, Eduardo Job e Antônio Carlos, seus interlocutores.

“[…] O que importa é que os caras ficaram animados, e agora vamos que vamos para os próximos. Vamos fazer um restaurante de rodízio, um espeto corrido aqui (…) Parece que vai dar certo, e aí o negócio vai ficar um pouco mais interessante”, disse Marcelo Pitta a Eduardo Job, comemorando o resultado da licitação do Paraná.

No esquema previamente acertado, a empresa representada por Pitta (Panamerican) perderia a concorrência para a Immuno (Elias Abboadalla e Ramis). Em troca, a Imunno cederia a vitória em disputas futuras.

Na página 15 do documento, a PF faz menção a um relatório do Ministério Público que reproduz o resultado da concorrência. O placar foi justamente o combinado pelos lobistas.

Na seqüência do relatório da PF há o registro de diálogos em que os lobistas se preparam para conduzir uma compra que seria feita pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo.

Pitta, em diálogos com interlocutores, mostra que levou o concorrente Macromede a baixar o preço da imunoglobulina até chegar a uma faixa na qual teria prejuízo (R$ 70,50). Pitta, então representante da Panamerican, não pretendia chegar a esse valor, mas queria dar uma lição no concorrente, que não integrava o grupo.

“Burro, o cara xingou, fez cartel [sic]. Aí, uma hora ele ligou, começou a baixar, falou com alguém no escritório da Macromede. Eu vi a ligação, vi até o número dele. Então eu vou f… com esse cara. Aí fui levando. Fui até R$ 70,50 e parei em R$ 71 e deixei ele levar em R$ 70,50”, diz Pitta a Ramis.

Depoimentos

A PF ouviu no final de semana o depoimento dos três empresários que ainda estavam presos ontem. Anteontem, foram ouvidos Jaisler Jabour de Alvarenga, Lourenço Rommel Peixoto e Marcos Chain, que se entregaram depois da prisão dos outros 14 acusados de envolvimento no esquema.

Três haviam sido liberados logo após prestarem depoimento. Outros 11 foram soltos na madrugada de anteontem.

Alvarenga e Peixoto ficaram em silêncio no depoimento. Seus advogados dizem que eles só falarão depois de a defesa ter acesso aos autos e conhecer os detalhes das acusações. Já Chain respondeu às perguntas e negou envolvimento com o esquema. Ele é funcionário da empresa de Francisco Danúbio Honorato, apontado pela PF como um dos principais envolvidos no caso.

Apenas um dos 11 acusados liberados anteontem se pronunciou sobre o assunto no final de semana. O empresário Eduardo Passos Pedrosa disse anteontem à Folha por telefone ter sido envolvido nas investigações devido à atuação de seu ex-sócio Lourenço Rommel Peixoto.

Pedrosa aparece na investigação da PF tratando de contratos do Ministério da Saúde. O empresário e sua mulher são sócios da Phoenix Segurança Patrimonial, na qual Peixoto teve participação. “Fui sócio de uma pessoa [Peixoto] que não sou há mais de três anos, por isso fui parar lá [Operação Vampiro]”, disse. Ontem, o empresário não foi localizado.

Os outros acusados foram procurados, mas não quiseram falar ou não foram encontrados.