Quebra de sigilo sem permissão judicial O governo tem pronto um conjunto de minutas de decretos presidenciais para tornar mais fácil e mais rápida a devassa fiscal de empresas e pessoas físicas. Pela nova norma, todos os órgãos de apuração, investigação e inteligência – onde se incluem Ministério Público e Polícia Federal – terão acesso automático a informações protegidas por sigilo, incluindo o banco de dados da Receita Federal, sem necessidade de autorização da Justiça.

Uma das minutas de decreto introduz dispositivo no Código Penal punindo com até 8 anos de prisão o enriquecimento ilícito de funcionários públicos, que passam a ser alvos de ”sindicância patrimonial”. O objetivo do governo é acelerar as investigações sobre lavagem de dinheiro.

As novas medidas foram apresentadas ontem pelo Gabinete de Gestão Integrada de Prevenção à Lavagem de Dinheiro, que se reuniu no Ministério da Justiça. O órgão centraliza todas as 24 instituições encarregadas de investigação, apuração e inteligência do governo federal. O controlador-geral da União, ministro Waldir Pires, afirmou que a troca automática de dados não representa quebra de sigilo: – Não é quebra de sigilo. É o compartilhamento de sigilo.

O servidor público, procurador ou policial só terá acesso a informações sigilosas sobre o contribuinte ou a empresa se assinar um termo de responsabilidade. Hoje, os procuradores não conseguem acesso automático às informações com dados pormenorizados sobre empresas e contribuintes na Receita Federal e têm de recorrer à quebra de sigilo fiscal. Segundo um procurador da área criminal ouvido ontem, a Receita só permite acesso superficial às informações, caso não haja quebra de sigilo autorizada pela Justiça.

Waldir Pires afirmou que o tema não foi apresentado aos ministros do Supremo Tribunal Federal. A idéia, segundo os técnicos da CGU, é debater algumas propostas de decreto e projeto de lei dentro do Gabinete de Gestão Integrada, antes de enviar tudo para a Presidência da República. – Cabe ao STF dizer o que é ou não constitucional. Acataremos a decisão do Supremo.

Além do livre acesso dos dados da Receita, a nova norma permite que o sigilo bancário seja pulverizado entre todos os órgãos de apuração, investigação e inteligência. Hoje, é necessário que cada órgão faça seu pedido. Com o decreto, o sigilo bancário poderia transitar entre os órgãos do Gabinete de Gestão Integrada, pela ”transferência de responsabilidade”.

A meta do governo é ainda mais ousada. Está em estudo outro decreto, para ”flexibilização” do sigilo bancário e fiscal dos agentes públicos e das pessoas jurídicas que contratam com o Estado. Para que os dados sejam transferidos entre os órgãos de investigação, apuração e inteligência, será preciso instauração de procedimento administrativo ou criminal envolvendo a pessoa ou empresa.

Outro decreto já redigido pelo governo prevê a instauração de processo administrativo contra servidor público que se recusar a apresentar a declaração de bens e valores ao governo. Caberá à CGU analisar a evolução patrimonial e a compatibilidade entre bens e rendimentos dos servidores. É criada a sindicância patrimonial para casos de denúncia e indícios de enriquecimento ilícito.

Para punir o enriquecimento ilícito de servidores, o governo tem pronta proposta de projeto de lei introduzindo dispositivo no Código Penal que institui reclusão de três anos a oito anos e multa. Incorrerá nas mesmas penas o servidor que, mesmo não sendo o proprietário dos bens, faça uso deles de modo que ”permita a atribuir-lhe sua efetiva posse”.

O governo tem ainda pronto uma minuta de projeto de lei criando o Sistema Nacional de Registros de Imóveis – Sinapri. Este sistema determina que os cartórios coloquem disponíveis em um banco de dados, em tempo real, informações sobre imóveis. Nas cidades com mais de 100 mil habitantes, as repartições terão prazo de um ano para se adequar às novas regras. Nas demais, o prazo é de dois anos.

Outro anteprojeto de decreto prevê a criação de um código de ética dispondo sobre o relacionamento dos servidores públicos com a imprensa. Pela regra, as informações sobre atividades investigatórias só poderão ser repassadas à imprensa pelos ministros, ocupantes de cargos especiais e dirigentes máximos das entidades de administração pública.

Outra proposta que deve virar decreto é o leilão eletrônico de bens bloqueados, alienados e confiscados do crime organizado, após decretada a indisponibilidade. Este leilão seria feito no site do Ministério da Justiça. Para o governo, é uma forma de evitar que os bens bloqueados do crime organizado não fiquem depreciando. Se o acusado que perdeu os bens for inocentado pela Justiça, recebe o valor arrecadado no leilão.