Combate à lavagem de dinheiro é tímido O Brasil tem bloqueados em contas correntes no exterior cerca de US$ 100 milhões desviados dos cofres públicos e lavados em paraísos fiscais. São recursos dos grandes escândalos nacionais que o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça tenta reaver. Pode parecer muito, menos de 1% da estimativa de todo o dinheiro enviado irregularmente para o exterior — US$ 16 bilhões.

Apenas para citar os principais exemplos de fraudes, o juiz Nicolau dos Santos Neto teria desviado R$ 169 milhões das obras de construção do Fórum Trabalhista de São Paulo. O empresário João Arcanjo Ribeiro, o ‘‘Comendador’’, acusado de lavar cerca de US$ 100 milhões por meio de empresas de factoring e exploração de jogo, e a advogada Jorgina dos Santos, entre 1988 e 1990, desviou cerca de R$ 500 milhões do INSS por meio de ações judiciais fraudulentas. Do total desviado por Jorgina, o governo conseguiu reaver apenas cerca de 4% do que foi lavado no exterior. Apenas US$ 3,8 milhões depositados por Nicolau em um banco em Genebra, na Suíça, foram bloqueados. No caso do Comendador, US$ 16 milhões localizados em contas nos Estados Unidos estão congelados por determinação da Justiça. Esses casos dão uma idéia da dificuldade que o governo enfrenta para rastrear e repatriar os recursos de origem ilícita lavados no exterior.

Para o diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), Antenor Madruga, os bloqueios conseguidos pelo Brasil já são uma vitória. Considerado o xerife da lavagem de dinheiro no Brasil, Madruga, que também coordena as ações do Gabinete de Gestão Integrada de Combate à Lavagem de Dinheiro (GGI-LD), afirma que o Brasil tem um ‘‘zero estatístico’’ de denúncias e condenação por lavagem de dinheiro.

Madruga defendeu a proposta do governo de flexibilizar o sigilo bancário e de determinar que apenas ministros e assessores possam dar entrevistas sobre casos que envolvam investigações sigilosas. O assunto provocou polêmica e o governo chegou a ser acusado de censura. Mas segundo Madruga não se pode flexibilizar o sigilo sem responsabilizar quem vai lidar com ele.

‘‘Muita gente confunde isso com censura, mas não é. O Estado não pode ser um big brother, mas também não pode ser cego. Por isso insistimos que o servidor público que tenha acesso à informações sigilosas tenha responsabilidade por isso‘‘, defendeu Madruga, que trabalhou na recuperação do patrimônio desviado no caso de Nicolau quando era procurador-geral da Advocacia Geral da União.

‘‘A partir das décadas de 80 e 90 o mundo todo entrou nessa onda de globalização acelerada que facilitou o fluxo de pessoas, bens e dinheiro, mas não houve uma globalização jurídica. O Estado continua enfrentando barreiras nas fronteiras dos países por causa dos problemas de jurisdição’’.

Para facilitar as negociações com os países destinatários de capitais ilegais, o Brasil fechou, em maio deste ano, acordos de cooperação internacional com campeões em lavagem de dinheiro, como a Suíça, que tem uma legislação severa para conceder o repatriamento de recursos. Entre as regras, as autoridades suíças só permitem o repatriamento em casos de crimes reconhecidos em sua legislação e se a condenação for definitiva. Para os suíços, sonegação fiscal não é crime e sim contravenção penal. Outros acordos estão sendo negociados com Ilhas Cayman, outro paraíso fiscal conhecido, Rússia e Espanha.

Acesso

O procurador do Ministério Público Federal do Paraná, Vladimir Aras, um dos integrantes da força tarefa do Banestado, que investigou a remessa de cerca de US$ 30 bilhões de recursos por meio de contas CC-5 (contas bancárias de pessoas que não residem no Brasil), defendeu a ampliação do acesso às informações fiscais e bancárias, protegidas por sigilo. Segundo ele, não se combate à corrupção e a lavagem de dinheiro sem informação.

Para o procurador, é preciso ampliar o sigilo fiscal e bancário, como defende o GGI-LD, mas desde que sejam estabelecidos mecanismos claros para que não haja divulgação e vazamento desses dados. ‘‘Infelizmente abusos tem sido cometidos’’. O vazamento de informações sigilosas levantadas pela CPI do Banestado colocou na berlinda a flexibilização das informações sigilosas. Aras defendeu o acesso dessas informações ao Ministério Público.

A proposta de Aras é que pedidos de informações sigilosas feitos pelos procuradores sejam decididos por uma instância superior do MP , que avaliaria a necessidade das informações e se responsabilizaria pelo não vazamento.

No Brasil, cerca de US$ 16 bilhões de recursos de origem ilícita se transformam, por meio de transações comerciais e financeiras, em dinheiro limpo, operação conhecida popularmente como lavagem de dinheiro. Essa não é uma contabilidade oficial, inexistente no Brasil, e sim uma estimativa feita pelo organismos de controle internacional, que colocam o Brasil no 20º lugar no ranking dos principais países que enviam dinheiro sujo para ser lavado em paraísos fiscais. Alguns doleiros e analistas do mercado financeiro apostam que nos paraísos fiscais existem uma fortuna verde amarela que alcança as cifras de US$ 200 bilhões, valor que se aproxima da dívida externa brasileira.

Para o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o valor é menor, entre US$ 60 e US$ 70 bilhões. Bastos já defendeu uma anistia para quem manda ilegalmente dinheiro para fora do país, mas ela não seria irrestrita, já que cerca de 70% do capital lavado no exterior vem do narcotráfico e do tráfico de armas. A anistia seria apenas para os sonegadores. Na Itália, uma anistia nesses moldes conseguiu recuperar cerca de US$ 40 bilhões.

PARA FECHAR O CERCO

O governo federal quer fechar o cerco à lavagem de dinheiro. Para isso, foi estabelecida uma Estratégia Nacional de Combate a Lavagem de Dinheiro (Encla) com 32 metas. Entre elas está a inclusão na Lei de Lavagem de Dinheiro (8613/98) de qualquer tipo de ocultação de recursos oriundos de crimes cuja pena seja superior a um ano de reclusão. Com isso, por exemplo, prefeitos condenados por desvio de recursos públicos que tenham usado laranjas para lavar esse dinheiro poderão ser processados com base na Lei 8613/98, que prevê penas de até dez anos de reclusão.

O número

US$ 16 bilhões é o valor estimado de todo o dinheiro enviado ilegalmente para o exterior

US$100 milhões é quanto o governo brasileiro luta para recuperar