Recursos destinados a Ongs não são fiscalizados, diz Ministério Público O Ministério Público admite que o governo transferiu muito dinheiro para as Organizações Não-Governamentais (Ongs) sem uma legislação adequada para controlar os repasses.
Só em 2004, R$ 2 bilhões da União foram destinados a programas de governo cuja execução pode ser feita por meio de Ongs. “A crítica é à falta de critério da legislação para a escolha da entidade que vai receber os recursos e a falta de transparência na prestação de contas”, afirma o procurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, Lucas Furtado.
Duas leis regem os convênios de órgãos públicos federais, estaduais e municipais. O artigo 116 da Lei de Licitações (nº 8666/93) e a Lei 9637/98, que regula as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OCIPS). Para o Ministério Público, essa legislação não é suficiente, pois não pontua três aspectos: a escolha da Ong, como deve ser a prestação de contas, e quem a fiscalizará.
Para fazer um convênio e repassar dinheiro público para a Organização não é necessário licitação e o próprio órgão repassador do dinheiro é quem escolhe a Ong. “Posso escolher a que eu quiser, o contrato de gestão fica à vontade do gestor público”, diz o procurador. Para Lucas Furtado, a escolha deveria ser feita por meio de um concurso público. “Não chamaria nem de licitação, mas de um processo em que o poder público publicasse um edital para as entidades interessadas apresentarem seus programas ao governo”, explica. “Uma comissão escolhe o melhor programa, este é um processo rápido, que não gera confusões políticas e dá transparência”, ressalta o procurador-geral.
O senador Mozarildo Cavalcanti (PPS-RR), autor do projeto de lei que prevê a regularização das Ongs, tem a mesma opinião. “Se vai abrir para uma empresa, todas as que sejam do ramo devem ter oportunidade de se habilitar a fazer aquele serviço, se é que o serviço público não tenha a capacidade de fazê-lo”, afirma.
O segundo problema, de acordo com o procurador, é a prestação de contas, que hoje é feita por meio da apresentação de notas fiscais. “Um ministério não tem como, aqui em Brasília, saber se aquela nota fiscal emitida lá no Amapá é legítima ou fria, e isso dá muita margem à fraude”, aponta. Para o senador, apenas as notas fiscais não são suficientes. “É preciso uma comprovação contável do que entrou e como foi aplicado, demonstrando o alcance do objetivo”, diz Mozarildo Cavalcanti.
O diretor-geral da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), Jorge Eduardo Durão, declara que “nenhuma entidade do Brasil recebe fundos do governo sem ter que prestar contas, quando ocorre alguma irregularidade, a população fica sabendo porque o Tribunal de Contas se manifesta”, destaca.
Outro fator que propicia o desvio de dinheiro público é o fato de que o próprio órgão repassador do dinheiro e que escolheu a OnG é quem fiscaliza o destino dos recursos. “O gestor tem tal recurso e diz: olha Ong, não preciso fazer licitação, lhe passo, mas quero 20%”, exemplifica o procurador. “Isso gera prestações de contas furadas, daí porque é tão comum em processos de prestações de contas de Ongs aparecerem notas frias”, conta.
A situação é ainda mais grave nos municípios e estados. “Não tenho a menor idéia de quanto eles vêm repassando às Ongs”, diz o procurador. Muitas vezes, é celebrado um convênio entre a União e o município, que firma outro com uma Organização. “A Ong conveniada lá na ponta sequer presta contas ao órgão federal, repassador da verba”, afirma Lucas Furtado. “Muitas vezes, a própria Ong sub-contrata quem ela quer, porque não dá conta de realizar o programa sozinha”, ressalta o procurador-geral.