Dados da Justiça são inconsistentes Os juízes brasileiros não confiam em informações repassadas pelos tribunais dos quais fazem parte. As três principais associações de magistrados do país criticaram duramente as estatísticas apresentadas pelo Ministério da Justiça no Diagnóstico do Poder Judiciário, apresentado no dia 16 de julho, e colocaram em cheque a competência da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que produziu o estudo. O diagnóstico piorou consideravelmente a relação entre o Judiciário e o Executivo, que já vinha bastante conturbada em decorrência dos debates sobre a reforma do Judiciário no Congresso Nacional. Mas a grita dos representantes dos juízes esbarra em um documento de 22 de março de 2004.
Nessa data, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Maurício Corrêa, baixou a Resolução nº 285, cujo texto criou e regulou o Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário (BNDPJ). Foi delegada aos tribunais a responsabilidade por atualizar e abastecer a base. O banco está disponível no site do STF. O artigo 7º determina que “as informações serão fornecidas pelo tribunal de origem, preferencialmente por meio eletrônico”.
E foi justamente esse banco de dados a principal fonte de informações para o Ministério da Justiça finalizar o diagnóstico. A reclamação das associações era enfática em relação a dados fornecidos por tribunais e juízes filiados a essas entidades. “O diagnóstico divulgado apresenta dados equivocados e incompletos, o que objetivamente o descredencia como documento fiel sobre a realidade brasileira”, dizia nota divulgada pela Associação dos Juízes Federais (Ajufe). A entidade chegou a exigir do Superior Tribunal de Justiça (STJ) o rompimento de convênios firmados com a FGV até que a fundação revisse o estudo. Os acordos foram suspensos.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) apontou imprecisões nos dados. “Os principais dados da pesquisa – custo dos processos e produtividade dos magistrados – estão incorretos”, criticava nota da entidade. A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) também divulgou ressalvas em relação ao estudo: “A peça revela-se extremamente frágil, impedindo, assim, qualquer análise científica. Além de inconsistente em aspectos primordiais, o projeto deixa de apontar a metodologia utilizada na coleta de várias informações”.
O presidente da Anamatra, Grijalbo Coutinho, reconhece a responsabilidade dos tribunais de zelar pelas informações, mas faz ressalva sobre o uso dessas estatísticas. “O ministério não usou todos os dados disponíveis. Cada um utiliza os dados como quer”, critica. Ele reclama do descarte, por parte da FGV, dos números relativos aos processos de execução, maior gargalo dos tribunais trabalhistas.
O desembargador Cláudio Baldino Maciel, presidente da AMB, faz um mea culpa dos tribunais. “O diagnóstico foi um equívoco tremendo. Mas o Judiciário tem grave problema de memória. Os dados que temos não são confiáveis. São obtidos sem base empírica”, diz.
A obtenção de informações pela internet é criticada por Jorge Maurique, presidente da Ajufe. “Não se faz pesquisa por site. Dados importantes que constam do banco de dados não foram usados. É absurdo deixar de fora as informações dos juizados especiais. A estatística mal utilizada pode criar equívocos”, diz.
Grijalbo e Maurique reconhecem que o diagnóstico levou a relação institucional entre as entidades e o ministério a uma situação quase insustentável. “Ficou um mal-estar. Até que seja refeito e discutidos os métodos do trabalho, não temos muito a dizer ao Ministério da Justiça”, disse Maurique. Grijalbo mantém a relação com o governo, mas não nega o clima ruim. “Não há rompimento, mas há todo um desconforto.”
Baldino preferiu aceitar as notas divulgadas pelo ministério e pela FGV com reconhecimento de equívocos do estudo. A AMB mantém convênios com a fundação e tem projetos em comum com o governo. “Não ficou estremecimento. Depois da divulgação do diagnóstico, participei de debates com o secretário da Reforma do Judiciário, Sérgio Renault, sempre de alto nível”, afirma.