Cláudio Baldino: Por que mudar a justiça? Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, o desembargador gaúcho Cláudio Baldino Maciel defende a revisão do sistema processual brasileiro como forma de dar maior agilidade ao Poder Judiciário, critica a reforma que tramita no Congresso e faz um alerta para o fato de que dever em juízo no Brasil passou a ser um bom negócio
Na busca por uma justiça ideal, o Judiciário brasileiro acabou engessando seu sistema processual por conta da infinidade de recursos previstos na legislação. Somada à pouca comunicação entre o Judiciário e a sociedade, essa situação acabou levando a população brasileira a ter uma visão reticente com relação à Justiça e aos juízes. A avaliação é do presidente da Associação Brasileira dos Magistrados (AMB), desembargador Cláudio Baldino Maciel.
‘‘O sistema privilegia um número quase anacrônico e insustentável de recursos processuais, sempre na visão de que alguma instância superior julgará melhor’’, alerta. Entre outras distorções, segundo Cláudio, essa cultura do recurso pelo recurso acabou criando um monstrengo jurídico que faz com que 60% das ações em juízo no Brasil constituam as chamadas ‘‘falsas controvérsias’’.
‘‘Você sabe que tem direito, eu sei que você tem direito, o juiz sabe desde o início que você tem direito. Não há uma dúvida maior sobre isso. Mas ainda assim eu vou lhe impor necessidade de ir a juízo buscar seu direito, vou recorrer tantas vezes quantas puder e vou retardar o cumprimento de uma obrigação por cinco, seis, dez anos’’, explica Baldino, que na última quarta-feira concedeu uma entrevista exclusiva a O POVO por telefone, direto da sede da AMB, em Brasília.
No início de setembro, Baldino decidiu divulgar o resultado de uma pesquisa realizada pelo Ibope (a pedido da própria AMB) sobre a imagem do Poder Judiciário junto à população brasileira. Em quase uma hora e meia de conversa, o desembargador gaúcho comentou o resultado da pesquisa, questionou a ligação entre a reforma do Judiciário e as agências financeiras internacionais como o Banco Mundial, lançou farpas sobre o Executivo e propôs o engajamento de toda a população brasileira na busca por um Judiciário mais eficiente.
‘‘Se não houver um tour-de-force de toda a sociedade para ser menos permissivista com certas coisas, nós não vamos conseguir solucionar esse problema’’, defende.
O POVO – O senhor concorda com o resultado apontado pela pesquisa encomendada pela própria AMB segundo o qual a justiça brasileira é lenta e fechada em si mesma?
Cláudio Baldino Maciel – Em termos sim. Na verdade, o Poder Judiciário em todo o mundo tem tido a crítica da morosidade e aqui no Brasil não é diferente. Ele é muito criticado por ser demorado. O que tem acontecido, e nós temos tentado denunciar, os juízes têm tentado mostrar isso, é que há a necessidade de se mudar radicalmente alguns conceitos. As leis buscam uma Justiça ideal quando nós tínhamos que tratar de uma Justiça útil.
OP – O que difere uma Justiça ideal de uma Justiça útil?
Cláudio Baldino – Na busca da Justiça ideal se inventou um sistema que privilegia um número quase anacrônico e insustentável de recursos processuais, sempre na visão de que alguma instância superior julgará melhor. Então, você tem possibilidades inúmeras de recorrer, recorrer e recorrer durante anos e retardar um processo. Uma decisão tem que ser econômica e socialmente útil. E tem que se dar num tempo determinado, ou então ela deixa de ser útil para as partes. Ainda que se possa eventualmente trabalhar com a possibilidade que haja um erro aqui ou ali, que também existem nos tribunais superiores, as coisas têm que ser decididas antes do que elas têm sido decididas hoje. Com menos possibilidades de tantos recursos. É claro que alguns recursos têm que existir, mas não tantos quanto existem hoje. É muito difícil se mudar isso aí porque atinge interesses poderosos.
OP – Que tipo de interesses?
Cláudio Baldino – O mercado de trabalho da área jurídica, por exemplo, acaba se servindo dessa demora. Consciente ou inconscientemente, a demora acaba beneficiando o profissional do Direito porque ele cobra honorários por isso. Então, se ele acompanha uma questão mais longa, ele acaba sendo mais remunerado por isso. Por outro lado, há outros interesses poderosos dos entes públicos, que usam essa demora deliberadamente para retardar o pagamento de seus débitos. Se há a desapropriação da terra de alguém, por exemplo, os estados, a União e os municípios, de modo geral, mesmo sabendo que têm que pagar, vão recorrer até a última hipótese de recurso para retardar o pagamento do débito. Porque eles sabem que quem vai pagar é o administrador do próximo mandato. Outro aspecto é que todos os outros mal pagadores, todos os espertos, todos os desonestos, acabaram entendendo que dever em juízo é um bom negócio do ponto de vista econômico.
OP – Até porque a taxa de juros de um pagamento em juízo é bem menor que a praticada pelo mercado…
Cláudio Baldino – É mínima. Se não houver uma decisão de juros contratuais diferentes, a pessoa vai pagar juros de meio por cento ao mês. Não há banco, não há entidade que empreste dinheiro a esse valor. Agora, se você tem que pagar sua obrigação em juízo você paga com meio por cento ao mês. Então, isso passou a ser economicamente interessante. Por isso é que esse sistema não produz utilidade para quem tem direitos, para quem vai ao Judiciário. Acaba sendo um sistema perverso para quem tem direitos e também para os juízes, que vêem a sua credibilidade diminuída. Embora trabalhem muito, os juízes são julgados como seres morosos, demorados, que não conseguem atender a tempo os direitos da população. Nós gostaríamos, evidentemente, de termos o nosso trabalho reconhecido como um trabalho útil socialmente.
OP – Alguns juristas alertam para o fato de que a maior parte das ações em trâmite no Brasil é formada apenas por apelações e tentativas de recurso de outras ações, o que emperraria ainda mais a velocidade dos processos na Justiça. O senhor concorda com essa avaliação?
Cláudio Baldino – Se nós formos ver as controvérsias que estão em juízo, talvez 60% não signifiquem controvérsias reais. O que é que eu digo como controvérsias reais? É quando disputamos um direito, eu e você achamos que temos direito sobre determinado objeto, aí levamos para o juiz decidir. Isso é uma controvérsia real. O que é uma falsa controvérsia? Ou seja, não há um litígio verdadeiro, estou meramente me servindo do Judiciário para retardar o cumprimento de uma obrigação muitas vezes claríssima.
OP – O Estado está presente em 80% dos recursos que tramitam no Superior Tribunal de Justiça. Isso configura o Estado brasileiro como o maior agressor da cidadania. Como o senhor analisa essa relação entre o Estado e a Justiça?
Cláudio Baldino – O que é impressionante é que o Estado-administração acaba inviabilizando o Estado-juiz. Inviabiliza na medida em que recorre sabendo que não tem razão. Os governos dos estados, da União, dos municípios, lamentavelmente, estão adotando a mesma lógica do devedor particular, do empresário esperto, para não dizer do empresário desonesto. Devo mas vou retardar e empurrar com a barriga para tentar fazer um bom acordo, para ganhar tempo, para fazer caixa, para rolar a dívida. O governo está fazendo a mesma coisa. E o pior é que o governo ainda criou um sistema legal, quando a coisa fica definitiva, que é o sistema dos precatórios, que é uma forma de calote institucionalizado.
OP – Por que?
Cláudio Baldino – O governo tem que colocar no orçamento o pagamento daquele débito. Ele tem que pagá-lo. Só que muitas vezes ele não faz isso, os precatórios ficam atrasados durante anos, anos e anos, e não acontece rigorosamente nada. Não há nenhuma penalidade para o administrador. A única penalidade seria a intervenção federal nos estados. O Supremo não tem decretado essa intervenção. Então, propusemos no Congresso uma situação em que quando o administrador público deixar de pagar o precatório, ele incorra em improbidade administrativa. Isso significa que ele não vai poder concorrer às próximas eleições. Isso seria uma forma de agilizar o processo. Mas há muita resistência contra.
OP – Por parte de quem?
Cláudio Baldino – Por parte dos próprios parlamentares, por exemplo. Há outras propostas para acelerar o processo que estão andando, mas no caso dessa proposta dos precatórios não conseguimos ter, até agora, nenhum parlamentar que a encampasse. Imagino que seja pelo seguinte: todos os parlamentares fazem parte de partidos políticos e todos os partidos têm administradores, ou prefeitos ou governadores. Então a maioria dos parlamentares pretende algum dia voltar a ser prefeito ou governador e não tem interesse em mexer nisso aparentemente. Não quero fazer uma afirmação categórica, mas até aqui o que se pode pensar é isso pela falta de interesse em mexer nessa coisa dos precatórios.
OP – A reforma do Judiciário se arrasta há mais de doze anos no Congresso. A que setores interessa emperrar o andamento da reforma? Essa reforma pode efetivamente resultar numa Justiça mais ágil?
Cláudio Baldino – Não sei até que ponto hoje o governo tem interesse na reforma do Judiciário. Honestamente, não sei. Um dos temas principais da reforma do Judiciário para o governo era a súmula vinculante. Posso até estar equivocado, mas presumo que a área econômica do governo andou fazendo contas e se dando conta de que a súmula vinculante poderia ser um tiro no pé. Se o Supremo decidir uma questão sobre macroeconomia, por exemplo, aí está decidido, todo mundo tem que cumprir. Na verdade, a reforma do Judiciário, no meu modo de ver, não vai mudar muita coisa. O problema do Judiciário, da morosidade, da funcionalidade, não se resolve mudando a Constituição.
OP – Resolve-se como?
Cláudio Baldino – Resolve-se mudando o código processual, dando mais informatização para o Judiciário, mais gente, mais qualificação para os servidores, essas coisas todas. Mas o que está por trás disso, é uma proposta já mais ou menos antiga, de 1996, das agências financeiras internacionais que têm documentos técnicos em que recomenda a reforma dos Poderes Judiciários na América Latina e no Caribe. Inclusive, em alguns casos, financia essas reformas na Costa Rica, na Argentina, no Peru, na Venezuela, enfim. No Brasil, não está financiando, mas houve a recomendação expressa para que se faça essa reforma.
OP – Qual o interesse dessas agências nessa reforma?
Cláudio Baldino – Especialmente que o Judiciário seja mais previsível nas suas decisões. Tudo isso para que o investidor internacional tenha melhores opções e maior segurança para saber onde investir. Claro que a previsibilidade é um valor interessante. Mas o maior valor é a Justiça da decisão. A previsibilidade interessa, sobretudo, aos grandes empresários e acentuadamente aos investidores de fora do País. Por isso a previsibilidade decorrente da súmula vinculante. Como o governo tem tentado alavancar o desenvolvimento brasileiro com base especialmente em investimentos externos, acabou colhendo essa lógica. Há a necessidade de um Judiciário mais previsível. Então, vamos criar a súmula vinculante, o Conselho Nacional de Justiça, vamos verticalizar o Judiciário, vamos dar mais disciplina interna para o Judiciário. Vamos deixar o Supremo pensar mais e a base da magistratura pensar menos. Agora, que isso vá mudar o Judiciário para que ele seja melhor para a população vai uma grande diferença. Tanto que se essa reforma for aprovada amanhã, eu te faço um saudável desafio. Daqui a um ano, tenho certeza de que vamos os dois estar cientes de que nada vai ter mudado. Para o pessoal do povo, nada.
OP – Do ponto de vista da ritualística do código processual, o que poderia ser feito para dar mais velocidade à justiça brasileira?
Cláudio Baldino – Ontem foi aprovada uma proposta nossa na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara mudando todo o sistema do recurso de agravo de instrumento, que é um recurso que retarda muito o processo. Nossa proposta estabelece que ele fica retido nos autos e não sobe nunca para o tribunal. Só vai subir quando subir o processo na apelação. Isso é uma coisa técnica mas que ajuda muito em termos de demora. Temos um outro projeto que trata dos juros, exatamente para desestimular o mau pagador. Porque cada vez que ele for recorrer e a decisão for contra ele, vai pagar juros dobrados de forma que ele se desestimule a recorrer só por recorrer e de forma que o credor, que tem o direito, se esperar mais tempo, pelo menos vai ter a compensação de receber mais. Só esse ano nós apresentamos mais de doze projetos impactantes sobre o processo civil.
OP – Um dos problemas mais graves na relação entre o Judiciário e a sociedade é a questão do acesso das camadas mais pobres da população à Justiça. A defensoria pública, além de sofrer graves problemas estruturais em todo o País, serve geralmente de trampolim para advogados em começo de carreira. O que poderia ser feito para mudar esse quadro?
Cláudio Baldino – Acho que é um fator absolutamente fundamental. Lamentavelmente, nunca se pensou muito isso no Brasil porque o Brasil é um País de excluídos e as agências nacionais não têm se dedicado tanto aos excluídos para nós termos um País mais justo. Quando o assunto é promover uma ação penal contra alguém, o Estado está muito organizado para isso porque tem o Ministério Público, que é uma instituição altamente organizada, com quadros bem selecionados, bem remunerados, com qualificação. Mas na outra ponta do processo, onde está o acusado, que de modo geral é o réu pobre que não tem condições de contratar um bom advogado, que não tem dinheiro, aí não há uma instituição com esse grau de qualificação. Então, o fundamental é que se obrigasse legalmente aos estados a qualificarem as defensorias.
OP – E como isso poderia ser feito?
Cláudio Baldino – A OAB e a AMB, quando o projeto de reforma do Judiciário estava em tramitação na Câmara dos Deputados, apresentaram algumas propostas nesse sentido. Uma delas era justamente dar às defensorias autonomia orçamentária, financeira e administrativa. Exatamente para que elas não ficassem dependendo da boa vontade dos governadores e tivesse dotação orçamentária própria. Isso, graças a Deus, está sendo aprovado agora.
OP – Qual a parcela de responsabilidade do Judiciário sobre questões como a corrupção e a impunidade no Brasil?
Cláudio Baldino- Essas questões são de responsabilidade da sociedade brasileira, de todos nós. Digamos, por exemplo, uma penitenciária. Há quem diga que isso seja responsabilidade do Executivo porque ele administra penitenciárias. Há quem diga que é de responsabilidade do Judiciário porque ele manda para lá os presos. Na verdade, é responsabilidade de todo cidadão saber que hoje se cumpre pena no Brasil em condições piores do que as masmorras da Idade Média, que está havendo quase que uma pena de morte, não institucionalizada porque as pessoas morrem muitas contaminadas por Aids, tuberculose, enfim. E praticamente todos viramos o rosto para o lado. Não divulgamos isso na imprensa, não tratamos disso nas questões do Congresso. Então, isso é de responsabilidade de todos. A questão da corrupção e da impunidade no Brasil é um problema muito sério. Se não houver um tour-de-force, se não houver uma empreitada de toda a sociedade para ser menos permissivista com certas coisas, nós não vamos conseguir solucionar esse problema.
OP – Um debate recente que tem mobilizado o setor jurídico brasileiro é a questão da limitação do poder de investigação do Ministério Público. Como a AMB vem analisando essa questão?
Cláudio Baldino – A AMB está assumindo uma posição muito clara a respeito da necessidade de que o Ministério Público não perca sua condição de investigar. Porque independente da questão constitucional, que é importante, sem dúvida, nós sabemos que a Polícia Civil, a Polícia Federal, por melhores que sejam, às vezes não estão suficientemente aparelhadas e são dependentes do Executivo. O Ministério Público tem autonomia financeira e administrativa. Então, ele é muito mais independente nesse aspecto, ele tem condições de chegar mais longe na investigação dentro das áreas do próprio poder.
OP – O governo FHC, marcado pela imensa quantidade de medidas provisórias, entrou para a história como um governo que, entre outras coisas, atropelou uma série de prerrogativas do Judiciário. Como o senhor avalia essa relação entre o Executivo e as instituições do Judiciário no governo Lula?
Cláudio Baldino – Foi uma relação bastante tensa recentemente no Supremo Tribunal Federal especialmente. Também houve tensão decorrente de algumas reformas constitucionais, como a Reforma da Previdência. Agora, por trás disso há uma concepção, que não é só do governo Lula, de um Poder Executivo hegemônico. Um Poder Executivo grande demais, que legisla através de medidas provisórias, que não consegue compreender que o Poder Judiciário funciona como freio constitucional. Então, esse nível de tensão é natural numa sociedade democrática. Aqui, muitas vezes, quando o Judiciário limita a atuação do Executivo dentro das balizas constitucionais, ele é visto como alguma coisa que está atrapalhando. Porque há ainda a compreensão por parte do Executivo que tem que se mudar a Constituição em favor de um plano de governo.
OP – Ou de um plano de poder.
Cláudio Baldino – Ou de um plano de poder. Quando deveria ser exatamente o contrário. Ou seja, o plano de governo se adequar à Constituição. Um exemplo para mim é notável disso. O Poder Executivo criou uma secretaria para reformar o Judiciário. Veja só, criou uma secretaria, nomeou um secretário, Sérgio Renault, do Ministério da Justiça, para impor reformas ao Judiciário. Isso é a mesma coisa que o Supremo Tribunal Federal tivesse criado uma secretaria para reformar o Executivo. Como é que seria lido isso pela sociedade? O Supremo, ministro Jobim, criou uma secretaria para reformar o Executivo, acha que o ministro Dirceu está falando demais, acha que o ministro Palocci está gastando demais, vamos reformar. Soa um absurdo, não é? Mas engraçado é que não soa um absurdo o Poder Executivo querer reformar o Judiciário, quando são poderes que são harmônicos e que estão no mesmo nível. Então, isso mostra muito bem como há uma disparidade entre os poderes e como isso não é bom para a democracia. Um Judiciário fraco significa o seu direito fraco.
OP – O fato de o Brasil ser um País com pouca tradição democrática contribui para esse nível de desgaste entre os dois poderes?
Cláudio Baldino- Nós tivemos muitos episódios no Brasil de concentração de poder por parte do Executivo. Especialmente, ditaduras. Especialmente, rupturas democráticas, em que se concentrou muito poder, em que se podia muito através do executivo e dos governos. Então, as pessoas ainda não se habituaram que numa sociedade efetivamente democrática há três poderes que se devem harmonia e respeito. E que isso não significa que um seja maior que o outro. Eles têm que se limitar reciprocamente. Isso deveria ser compreendido como algo normal, mas essa compreensão depende de uma cultura democrática da população. Na verdade, a história do Brasil não proporcionou muito isso. Nós tivemos um império até o fim do século XIX, que era um poder concentrado e centralizador. Depois nós tivemos a república e quantos episódios nós tivemos de ruptura democrática? Nós tivemos, talvez, mais de quarenta anos de ditadura num século.
OP – A AMB sofreu algum tipo de crítica por parte da própria magistratura ao divulgar uma pesquisa que mostrava a imagem de um Judiciário lento e fechado em si mesmo?
Cláudio Baldino – Nós decidimos correr todos os riscos. Nós sabíamos que íamos ser criticados por parte da magistratura. Essa foi uma pesquisa qualitativa, de orientação nossa, sobre como nos comunicar melhor, sobre como a população nos vê, se ela está certa em nos ver assim ou se ela está com a cabeça feita pela mídia. A gente pode fazer a avaliação que a gente quiser. E estamos fazendo, nós estamos encaminhando isso para todos os tribunais, vamos fazer seminários tratando dessa pesquisa e outras possibilidades. Nós não temos que esconder isso. Se nós podemos melhorar, nós temos que discutir sobre isso, nós temos que estar abertos ao debate. Temos que fazer isso claramente e não ficar omitindo dados. É verdade que também há dados interessantes nessa pesquisa num certo aspecto. Há um dado de que o juiz tem melhor conceito que o Judiciário. Ao contrário do parlamentar, que tem pior conceito que o Parlamento. Isso é uma coisa interessante porque quando a pessoa conheceu o juiz, viu o trabalho do juiz, acabou compreendendo e entendendo o nosso trabalho. Isso é um dado positivo. Mas não nos redime porque a sociedade vê o Judiciário como um poder muito fechado e muito moroso. E nós sabemos que quem tem um direito em juízo quer a celeridade desse processo.
OP – Para terminar: um dado pitoresco na pesquisa encomendada pela AMB foi a referência a animais que, segundo as pessoas entrevistadas, representariam a imagem do Judiciário. Nesse sentido, o mais lembrado foi a tartaruga. A que animal o senhor compararia o Judiciário?
Cláudio Baldino – (Risos) Na verdade, nunca pensei nisso. Teria que refletir melhor. Acho que a resposta, por mais que seja pitoresca e aparentemente depreciativa, foi uma resposta inteligente das pessoas. Eu possivelmente não usasse essa expressão porque quem pensa em tartaruga pensa basicamente na lentidão. Mas as pessoas citaram lentidão e proteção na própria casca, o que mostra que de alguma forma com certa razão há ainda bons nichos do Judiciário que ainda têm um sentido corporativo que tem que evoluir. Também citaram sabedoria e experiência. Quer dizer, não está de todo ruim o resultado. E some-se a isso o fato de que logo depois vem o leão, que já fala em poderoso mas também temido alguma coisa assim. Não é uma coisa fora de propósito.