Norma que permite investigação criminal pelo MP é ilegítima Com a edição da Resolução 77/04, tenta o Ministério Público adiantar-se ao entendimento final do Supremo Tribunal Federal. Ou melhor, tenta de maneira ilegítima, por meio de norma interna, regulamentar procedimento cuja constitucionalidade está em discussão acirrada na referida Corte.
Ora, na busca de mais poder, lembrando que até a virtude deve ter limites, usa-se de instrumento cujo fundamento de validade é infinitamente inferior ao das normas constitucionais que vedam a investigação promovida pela referida e nobre Instituição, para tentar impor uma situação insustentável.
As questões jurídicas e constitucionais sobre o tema dos inexistentes poderes investigatórios do Ministério Público estão sendo amplamente discutidas. Por isso, segue o alerta para alguns pontos fundamentais, mesmo que para isso seja preciso abdicar da linguagem técnica:
1) como ensina J. J. Gomes Canotilho, se a Constituição define a competência, não há que se falar em derivação da mesma. Dessa forma, a competência das Polícias, estipulada constitucionalmente, não pode se render ao ditado de “quem pode o mais pode o menos”;
2) culpar as Polícias pela criminalidade e corrupção, é, no mínimo covardia! Defeitos existem, e muitos, no âmbito policial, mas não existem menos defeitos no Ministério Público, como em qualquer outra entidade de classe ou instituição.
Ora, para quem é leigo faz-se necessário informar que a Constituição de 1988 permite que os membros do Ministério Público fiscalizem o trabalho policial, inclusive requisitando diligências.
Se desde 1988 deixou-se de dar atenção ao inquérito policial e cumprir tal fiscalização da maneira adequada, culpar a Polícia pela eventual ineficiência das investigações significa “lavar as mãos”, não assumir a própria participação na ineficiência alegada, ou melhor, “empurrar a poeira para debaixo do tapete”!
3) A problemática representa mais do que uma disputa pelo poder entre Polícia e Ministério Público. Vê-se a frontal violação do Estado de Direito, uma vez que o próprio contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal, enfim, princípios democráticos basilares serão revogados se for reconhecido ao Ministério Público investigar e ao mesmo tempo acusar.
Ora, deixemos de lado o mito da imparcialidade do Ministério Público. Afinal, a tendência do promotor investigador será a de compilar elementos que lhe sirvam no processo, para bem desenvolver a acusação.
E não ressalto tal ponto como falta de honestidade processual do Ministério Público, mas apenas como uma tendência que seria verificada em qualquer instituição, entidade ou ser humano em tal posição.
O Ministério Público merece todo o respeito da população e dos operadores do Direito. Tenho certeza que os advogados querem que tal instituição seja forte. No entanto, se fizerem questão de atuar com “tentáculos de polvo”, que eles sejam longos o suficiente para atingir quem realmente mereça, evitando-se injustiças motivadas por vaidade, e, deixando-se livre de violações o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.
A balança não pode pender mais para um dos lados durante o processo. A paridade de armas entre defesa e acusação é fundamental para a preservação do Estado Democrático de Direito. Basear acusações em matérias de jornal, ou, propor que ao Ministério Público seja permitida a quebra de sigilo bancário sem autorização judicial, são medidas que chegam a causar espanto!
É para defender o direito de defesa que se destaca os escritos de Rui Barbosa: “A defesa não quer o panegírico da culpa, ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente ou criminoso, a voz de seus direitos legais. Se a enormidade da infração reveste de caracteres tais, que o sentimento geral recue horrorizado, ou se levante contra ela em violenta revolta, nem por isso essa voz deve emudecer. Voz do Direito no meio da paixão pública, tão suscetível de se demasiar, às vezes pela própria exaltação da sua nobreza, tem a missão sagrada, nesses casos, de não consentir que a indignação degenere em ferocidade e a expiação jurídica em extermínio cruel” (O Dever do Advogado, Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, AIDE Editora, 1999, p. 44-45).
Enfim, mantendo-se o equilíbrio entre a Defesa e a Acusação, procurando-se equipar e preparar melhor as Polícias Civil, Militar e Federal, de maneira que tenham condições dignas de trabalho e meios adequados para bem desenvolvê-lo, a verdadeira Justiça será, ao menos, avistada no horizonte desse mar de desigualdades e de luta pelo poder. Agora, se a intenção é a de ter um Poder único, que se entregue logo a coroa àqueles que a desejam!