Sai condenação recorde para acusados de traficar mulheres A Justiça Federal no Ceará aplicou ontem a maior condenação já imposta no Brasil a traficantes de pessoas, com o interesse de explorá-las sexualmente. O cearense Francisco de Assis Marques de Aguiar e o baiano Valdinei Ramos dos Santos foram punidos por envolvimento em um esquema internacional

Em uma sentença inédita no Ceará, a Justiça Federal condenou ontem dois dos integrantes de uma rede internacional de tráfico de pessoas que arregimentava a ida de mulheres cearenses para países da Europa, com fins de exploração sexual. É apenas a segunda decisão desse tipo no Brasil. O cearense Francisco de Assis Marques de Aguiar, 62, e o baiano Valdinei Ramos dos Santos, 43, foram apenados com 30 anos e oito meses e 15 anos de reclusão, respectivamente, por terem participado do esquema criminoso que encaminhou pelo menos duas garotas para a cidade de Santander, na Espanha.

Segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal, as mulheres viajavam sob a promessa de um emprego que lhes daria muitos euros e algum conforto. Iam sem saber o que as esperava. Lá, eram submetidas a trabalhos em boates, como prostitutas e dançarinas, contraíam dívidas já com a ”ajuda de custo” das passagens que recebiam no Brasil e tinham até os passaportes retidos. Chegavam até a ser impedidas de ligar para suas famílias.

O novelo começou a ser desfeito com a acusação de uma das garotas ”recrutadas”, que conseguiu retornar ao Ceará e ajudou a Polícia Civil cearense a iniciar a investigação, em maio do ano passado. Ela descreveu o que passou e apontou quem era quem na organização. Foram vários depoimentos prestados à Justiça, ao MPF e à Divisão de Apoio ao Turista (DAT), da polícia cearense.

Assis, um costureiro aposentado, seria a pessoa do grupo que selecionava, abordava as mulheres e apresentava os convites de viagem à Europa e a garantia de um emprego promissor. Chegava a uma mulher por intermédio de outras que já seriam seus ”contatos”. Também trocava informações permanentemente com os ”empregadores” na Espanha. O vendedor autônomo Valdinei, que era conhecido por ”Ney”, auxiliava Assis e seria o que ”preparava” as cearenses antes da viagem – comprar roupas, providenciar passaportes ou até mesmo cabeleireiro. A fantasia virava pesadelo em solo espanhol.

No processo original, que resultou nas duas condenações de ontem, havia uma terceira pessoa denunciada. O espanhol Emílio Zorrilla Garcia, 55, teve seu nome excluído da sentença por não ter sido localizado nas intimações judiciais. A Justiça decidiu desmembrar o processo (separá-lo em dois). Hoje não se sabe onde Zorrilla está, mas sabe-se que ele é considerado um dos mentores do esquema de remessa das garotas, que também tinham como destino outros países da Europa e América Latina. Seria o ”empregador”; era o dono de uma das boates na cidade de Santander, na Espanha, para onde as mulheres eram levadas. O inquérito levantou que Zorrilla custeava toda a viagem e avisava às brasileiras, logo no primeiro dia de ”sonho europeu”, que o trabalho delas seria atender clientes em programas sexuais ou dançar na sua boate.

A decisão de ontem da Justiça Federal no Ceará foi a segunda do Brasil a citar um réu no tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual, mas é a maior em tempo de condenação. A primeira sentença também é recente, de setembro, e puniu uma aliciadora em Goiânia (GO) a oito anos de reclusão. Assis e Ney também serão obrigados a pagar multas (de R$ 69.160,00 e R$ 22.360,00, respectivamente). Pelo Código Penal Brasileiro, Assis foi apontado em crimes de formação de quadrilha (artigo 288), favorecimento à prostituição, com emprego de fraude (artigo 228) e tráfico de mulheres (artigo 231). Ney recebeu apenas a última acusação.