Advogados defendem sigilo e rejeitam delação de clientes Todas as informações obtidas por advogados junto a seus clientes, que resultem de uma relação de confiança, estarão preservadas pelo sigilo do exercício profissional. Mas, se o advogado for consultado para articular uma ação ilícita, ele deverá denunciar o cliente ao sistema nacional de combate à lavagem de dinheiro. Esta é a lógica, segundo Antônio Gustavo Rodrigues, presidente do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf), da nova regra que deverá ser incluída na Lei de Lavagem de Dinheiro. Os advogados repudiam essa regra do jogo e dizem que a violação de sigilo profissional existe sim na proposta.

O dispositivo consta da minuta de reforma da Lei que o Encla (Estratégia Nacional para o Combate à Lavagem de Dinheiro) discute, nesta terça-feira (1/3), em Brasília. Como é certo que ninguém contratará um advogado para correr o risco de ser denunciado, a nova regra, segundo Rodrigues, cumprirá com o seu objetivo. “Fecharemos um canal para a prática do ilícito”, afirma.

Contudo, o texto da minuta não deixa claro os limites entre o que é informação sigilosa, imune à delação e fatos que deverão ser denunciados. Apesar de considerar o dispositivo inofensivo à atividade profissional, Rodrigues reconhece que a inclusão dos advogados é um tema que vai causar muita polêmica. E vai mesmo.

O presidente da OAB paulista, Luiz Flávio Borges D’Urso, discorda da delação de clientes. “Um cliente pode procurar o advogado e consultá-lo sobre uma operação ilícita. O advogado o orientará e a operação não será feita”, diz. E acrescenta: “Se ele for denunciado, o sigilo profissional será sim quebrado”.

Para D’Urso, não se pode partir da premissa que o advogado vai orientar o cliente a fazer operações ilícitas, por exemplo. “Essa premissa é errada. Se eventualmente isso acontecer, o advogado comete crime e deve ser punido no Tribunal de Ética e na Justiça comum”.

O advogado Jorge Nemr, do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados Associados, também é contra a regra e defende um amplo debate sobre o assunto. Ele disse que se fosse consultado por um traficante, por exemplo, para fazer lavagem de dinheiro, não aceitaria a causa porque tem seu livre arbítrio. “Mas também não preciso dizer que fui procurado por ele”, observa.

“Temos de garantir o sigilo profissional”, ressalta. Ele diz que se o advogado é co-autor em algum tipo de crime, deve ser punido. Tanto Nemr quanto D’Urso concordam que o trabalho de investigar criminosos não é dos advogados e sim das autoridades públicas.

Panorama

A inclusão dos advogados no texto da minuta é uma das recomendações do Gafi (Grupo de Ação Financeira) — originado no G-7 com o objetivo de articular o combate internacional ao crime organizado.

A obrigatoriedade de delação não só pelos advogados, mas por todos os profissionais que prestam serviços de consultoria e assessoria, sob pena de represálias previstas pela Lei, atende à orientação internacional de envolvimento da sociedade no combate ao crime organizado. “Os bandidos são muito mais ágeis do que os estados porque não estão presos às amarras legais”, explica Rodrigues.

A nova regra amplia o leque de informantes do sistema que já conta com a colaboração compulsória dos bancos, seguradoras, corretoras de valores, ourivessarias, loterias, bingos e imobiliárias, entre outros agentes do mercado. Todos eles devem manter cadastros e comunicar ao Coaf a prática de operações inusitadas ou suspeitas. Segundo Rodrigues, o objetivo é induzir as empresas a conhecerem os seus clientes evitando assim serem utilizadas para a lavagem de dinheiro.

O atual universo de informantes envia ao Coaf uma média de 700 comunicações por dia. Os bancos, por exemplo, devem informar todas as movimentações de retiradas e depósitos, em espécie, superiores a R$ 100 mil. A comunicação não significa que essas operações, necessariamente, tenham alguma suspeição.

O órgão, por exemplo, se depara, no dia a dia, com comunicações referentes a postos de gasolina ou empresas de ônibus urbanos que recebem dos clientes e depositam valores em espécie. Também aparecem, às vezes, altas retiradas de dinheiro feitas por empresas do setor de construção civil porque pagam em espécie os salários dos seus operários.

Mas, se a comunicação se refere, por hipótese, ao depósito na conta de um servidor público, ou de uma pessoa física qualquer, os técnicos do órgão iniciam uma investigação. Eles contam com um sistema de informações integrado, com ferramentas de busca que lhes informam, num simples clique, a situação financeira e o patrimônio de pessoas físicas e jurídicas, bem como se, alguma vez, movimentaram em espécie, no sistema bancário, valores superiores a R$ 100 mil.

O sistema está sendo turbinado para detectar depósitos e retiradas com valores inferiores, em mais de uma agência bancária e com o mesmo destino, o que não consegue fazer atualmente. O limite de R$ 10 mil, fixado na lei para operações financeiras, no caso dos bancos, não interessa ao Coaf. Esse valor, lembra Rodrigues, está defasado porque foi definido, em 1998, quando o real era um por um em relação à cotação do dólar.

Mas, por outro lado, esse valor se presta para a investigação de outros tipos de operações. Uma imobiliária, por exemplo, deve informar o Coaf se intermediou uma operação de compra e venda de imóvel, no valor de R$ 40 mil, recebendo oito cheques de R$ 5 mil. Ou a Caixa Econômica Federal precisa ficar alerta para o caso de um único ganhador ter recebido três prêmios de R$ 50 mil num curto período de tempo.

O cruzamento de informações pelos técnicos do Coaf, que funciona como a inteligência do sistema, não se limita assim aos valores das operações. Toda prática financeira inusitada interessa ao órgão. Como a de um lavrador que teve sua conta engordada, aos pingos, durante dois anos, com valores que variavam de R$ 5 mil a R$ 12 mil. Na investigação, os técnicos do Coaf acabaram descobrindo que se tratava de um plantador de maconha no sertão pernambucano — e via sistema bancário estava lavando o dinheiro de sua atividade ilícita.