Juizes discutem competência trabalhista para relações de consumo Para quem um dia foi ameaçada de extinção, a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, prevista na reforma do Judiciário (Emenda 45), veio embrulhada em papel de presente. Aberto o pacote, os juízes agora buscam se adaptar às novidades. Dentre elas está o julgamento de conflitos resultantes das relações de consumo, o tema mais controverso do primeiro dia do “I Seminário Nacional sobre a Ampliação da Competência da Justiça do Trabalho”, aberto nesta quarta-feira (16/3), em São Paulo.

Das mais de 800 cadeiras ocupadas no Teatro Cultura Artística, juízes acompanharam o debate sobre a razoabilidade e viabilidade de a Justiça Trabalhista julgar relações como a de um cidadão que contrata um jardineiro para fazer o jardim de sua casa. Diante das novidades trazidas pela EC 45, eles buscam definir os limites do que deve ser mesmo tratado pela Justiça do Trabalho e o que é de competência da Justiça Comum.

Com a incorporação da expressão “relação de trabalho” na Constituição Federal, em lugar de “relação de emprego”, a dúvida que fica é: deve a Justiça do Trabalho tratar de todos os temas que envolvam remuneração por prestação de serviço e não só a relação entre empregado e empregador?

“Se usarmos método literal de interpretação, a conclusão será que todas as relações que envolvam dispêndio de alguma energia considerada economicamente útil para qualquer ser humano é uma relação de trabalho”, afirmou o juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região Maurício Godinho Delgado.

No entanto, segundo ele, se todas as relações jurídicas que “existem na sociedade capitalista forem levadas à competência da Justiça Trabalhista, ela se tornará uma Justiça Geral e a Justiça Estadual ficará especializada em relações sociais que não tenham trabalho envolvido”. Para Delgado, a história revela que o direito do trabalho sempre se afirmou fazendo contraponto ao direito civil.

Para o professor e advogado José Affonso Dallegrave Neto, a chave da questão está em diferenciar as duas relações. Segundo ele, a contratação de um trabalhador para suprir a necessidade pessoal do consumidor, na qualidade de destinatário final, não caracteriza uma relação de trabalho. Assim, “a insatisfação de um paciente com o clareamento feito pelo dentista não deve ser levada à Justiça do Trabalho”.

Já a contratação de um prestador de serviço para viabilizar a atividade do tomador do serviço, que não é necessidade pessoal ou final, para agregar valor ao produto, é relação de trabalho. Nesse caso, o âmbito da solução do conflito seria a Justiça do Trabalho. Do contrário, corre-se o risco de “contaminar a essência da Justiça do Trabalho”, afirma Dallegrave Neto, que irá “proteger o tomador de serviço em detrimento do trabalhador”.

A questão passa pelo alcance da Justiça do Trabalho aos trabalhadores informais. Estatísticas dão conta que mais de 70% da população brasileira economicamente ativa preste serviços sem proteção da legislação trabalhista. Sob esse prisma, um pedreiro autônomo deveria ser protegido pela Justiça do Trabalho, “diferentemente de um advogado”, diz o ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Lélio Bentes. “O pedreiro não trabalha por conta própria por opção de seguir um caminho empresarial, mas por falta de condições de ingressar no mercado formal”.

Para o presidente da Anamatra – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, que promove o evento, Grijalbo Coutinho, no entanto, sempre que houver uma prestação de serviço a competência para solução do conflito é da Justiça trabalhista. A opinião é compartilhada pelo juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região Rodolfo Pamplona Filho, para quem não há o menor “problema em trazer tal matéria para a interpretação daquilo que chamamos de contrato de trabalho”.

Já para o professor da USP Otávio Pinto e Silva, “a competência ampliada é importante, mas não deve representar algo ruim para a Justiça do Trabalho”. Segundo ele, “corremos o risco de ter processos que não acabam nunca. A competência não pode vir no sentido contrário e esse é o risco iminente”. Mas não para Grijalbo, para quem a Justiça do Trabalho é “a única com capacidade estrutural para receber novas ações”.