Juiz terá de ser tratado por “senhor” pelos vizinhos no Rio Os porteiros de um edifício em Niterói terão de demonstrar saber com quem estão falando quando se depararem com o juiz Antônio Marreiros, titular da 6º Vara Criminal de São Gonçalo. A Justiça do Rio concedeu decisão favorável ao juiz, que exigiu ser chamado pelos empregados e moradores do prédio onde mora de “senhor” ou de “doutor”. Por dois votos a um, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio reforçou liminar concedida no ano passado que garantia este tratamento. O mérito da causa, que pede indenização de 100 salários mínimos por danos morais, ainda será julgado.
O episódio que deu início à batalha ocorreu dia 26 de agosto de 2004. Com um vazamento no teto de seu apartamento, o juiz pediu ajuda de um empregado na portaria, que recusou-se a atendê-lo sem a permissão da síndica. Após a discussão, o juiz afirma que o porteiro passou a tratá-lo pelo nome ou por “você” para desrespeitá-lo. “O objetivo do meu cliente é ter um tratamento que deve ser dado a qualquer pessoa. Ainda mais a ele, que é juiz. Ele estava sendo achincalhado”, disse o advogado de Marreiros, Arly Barbosa, afastando a idéia de que Marreiros abusa de sua autoridade. “Não é porque ele é juiz. O fato de ele ser magistrado até dificultou”, afirmou.
Em novembro, Marreiros justificou a ação ao Estado contando ter advertido o funcionário sem sucesso duas vezes pelo interfone. Ele ainda diz ter tido pneus do carro furados e recebido bilhetes ofensivos. “Tenho o direito de ser chamado de senhor em todo o lugar que vou. Se extrajudicialmente não consegui esse tratamento, porque eu vou ser modesto, bonzinho? Vou exigir o que tenho direito. Doutor é uma palavra que significa pessoa formada e é assim que quero ser chamado”, declarou na época.
Jeanette Granato, síndica do prédio, queixou-se da decisão. “Mais uma vez houve corporativismo. Eles só ouviram um lado. Vamos fazer os recursos cabíveis”, afirmou. Segundo Jeanette, Marreiros é reservado, não se relaciona com vizinhos e é pouco visto. Segundo a síndica, Marreiros é descrito como arrogante e já havia protagonizado outras brigas com funcionários e vizinhos. “Ele não era maltratado, pelo contrário. Todos os moradores são tratados com respeito por mim e pelos funcionários. Não se pode fazer de uma besteira com um porteiro, que poderia ser resolvida internamente, um caso de Justiça”, queixa-se a síndica.
O advogado do condomínio, Geraldo Lemos, pretende embargar a decisão apontando contradições no voto dos desembargadores favoráveis ao juiz. Para ele, o tribunal tratou uma questão moral como jurídica. “Onde está a lei que obriga alguém a chamar outro de senhor”, indagou. O desembargador Gilberto Dutra Moreira, relator da ação, admite que não existe uma lei que se aplique ao caso, mas afirmou que, como cidadão, o juiz estava sendo desacatado. “Qualquer pessoa do povo não pode ser obrigada a ter intimidade com quem não deseja”. O desembargador Joaquim Alves de Brito, que votou contra, não quis falar sobre o caso.
Na opinião do presidente da regional fluminense da OAB, Octavio Gomes, todos os cidadãos devem tratar os outros com respeito e cordialidade, independentemente do lugar que ocupa na sociedade. No entanto, ele afirma que esse é um assunto que não merece chegar aos tribunais. “Lamento que a Justiça, tão assoberbada com milhares de processos e questões muito mais relevantes, perca tempo com um caso dessa natureza, que só aflora vaidades”.