Governo é principal responsável por lentidão da Justiça O estudo feito pelo Supremo Tribunal Federal sobre o atual estado do Poder Judiciário deixou os membros da comunidade jurídica em alvoroço. Os números são polêmicos. Apontam, entre outros dados, que de cada 100 processos que entraram nas três instâncias da Justiça brasileira (estadual, federal e trabalhista), apenas 41 foram julgados em 2003. Os outros 59 ficaram parados na longa fila de espera dos tribunais do país.

Para os especialistas ouvidos pela revista Consultor Jurídico, o estudo não leva em conta que o maior cliente do Poder Judiciário é justamente o Poder Executivo. “É dele que advém de 60% a 70% das ações em trâmite na Justiça brasileira”, diz o advogado e presidente da Comissão pela Reforma do Judiciário da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo Ricardo Tosto. Os exemplos são os milhares de ações que discutem o pagamento de diferenças relativas ao FGTS — Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, e que contestam planos econômicos, como Bresser e Collor.

“O poder Público é o maior culpado pela morosidade na Justiça. Ele não consegue resolver a demanda administrativamente e as joga para os tribunais”, diz o presidente da Ajufe — Associação dos Juízes Federais do Brasil, Jorge Maurique. Nesse mesmo ponto reside, para ele, um problema de comparação aplicados na interpretação dos dados do levantamento, apresentado pelo presidente do STF Nelson Jobim na última sexta-feira (6/5): não há como traçar um paralelo do Judiciário brasileiro com o de outros países, como a França e os Estados Unidos, onde a maioria dos embates é tratada fora da seara judicial. “No Brasil usa-se muito mais o judiciário do que nos outros paises. Temos de adaptar nossa cultura aos atos administrativos”.

Outro reparo a ser feito no levantamento do STF é que o dado inclui os processos que aguardam execução, que já foram julgados, mas ainda não foram pagos. A questão é que o cumprimento da condenação, dizem, não dependeria da ação do juiz: enquanto o bem em questão não é penhorado – ou porque não foi definido que bem é esse, porque o devedor não é certo ou porque ele não é encontrado – a ação não é considerada extinta. “Assim, as execuções ficais terminam se eternizando na Justiça”, diz Maurique.

Segundo dados do Tribunal de Justiça de São Paulo, das mais de 13 milhões de ações que ainda não foram concluídas, cerca de 7 milhões encontram-se em fase de execução fiscal. Somente na Justiça do Trabalho, segundo o presidente da Anamatra – Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho Grijalbo Coutinho, existem 1,7 milhão de processos nesse estado.

O quadro poderia ser alterado por duas vias que passam, ambas, pela reforma infraconstitucional. A primeira é a que inibe a imposição de recursos meramente protelatórios – usados apenas para empurrar com a barriga a conclusão de uma decisão – e elimina os recursos na fase de execução. A outra é por meio do projeto de lei que pretende determinar que o bem a ser penhorado seja disposto previamente na ação.

Para um juiz do interior de São Paulo, também não há como afirmar que a média de juízes e desembargadores no Brasil – segundo o estudo de 7,73 em média para cada 100 mil habitantes – é satisfatória se comparada à média mundial, que é de 7,34. “Trabalhar com média é sempre perigoso, pois se A passa fome, e B come um frango inteiro, na média A e B comem meio frango, o que poderia ser considerado ‘satisfatório’”. Outro problema, aqui, seria colocar o país no mesmo balaio que países como Congo e Guatemala, que contribuem para baixar a média e “nem de longe podem ser comparados” ao Judiciário brasileiro.

Para o presidente da Anamatra, também não se deve alimentar a idéia, levantada pelo estudo, de que o Judiciário custa muito caro aos cofres públicos, “como se um serviço essencial pudesse ser avaliado através de valores. Essa visão é tacanha e mesquinha”, diz Grijalbo. “Há morosidade na Justiça, mas ela não é causada pelos juizes, é resultado de fatores alheios, como a falta de estrutura e o número insuficiente de juízes”.