Lula exime governo e cobra PT por erros Em entrevista concedida na última sexta-feira em Paris, antes de embarcar de volta ao Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva responsabilizou a cúpula do PT destituída há dez dias e eximiu o governo federal de qualquer participação em supostos casos de corrupção agregados em torno do chamado “mensalão”.

O presidente disse que o PT é vítima de seu crescimento, sugerindo que seus melhores quadros migraram para cargos nos governos assumidos pelo partido. E insinuou que o caixa dois de campanhas eleitorais, assumido pelo ex-tesoureiro Delúbio Soares, ocorre “sistematicamente” no Brasil.

“O que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente. Eu acho que as pessoas não pensaram direito no que estavam fazendo, porque o PT tem na ética uma das suas marcas mais extraordinárias. E não é por causa do erro de um dirigente ou de outro que você pode dizer que o PT está envolvido em corrupção”, disse, em entrevista a uma TV francesa reproduzida ontem pelo programa “Fantástico”, da Rede Globo.

A entrevista de Lula foi gravada no mesmo dia em que o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares admitiu a existência de um caixa dois nas campanhas eleitorais do partido em depoimento na Procuradoria Geral da República.

Um dia antes, o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza já havia afirmado à Procuradoria que as empresas DNA e SMPB foram usadas como caixa dois do partido. O teor do depoimento do publicitário só foi divulgado na sexta-feira à noite. Tanto Delúbio como Marcos Valério procuraram isentar o presidente e o governo das irregularidades.

Durante a entrevista, Lula voltou a dizer que o governo está apurando as denúncias como em nenhum “outro momento da história do Brasil”.E afirmou: “Trabalhar com a verdade é muito melhor. A desgraça da mentira é que se você contar a primeira você passa a vida inteira contando mentira para justificar a primeira que você contou. A verdade você diz ela hoje, daqui cem anos você vai dizer outra vez, daqui a 200 anos você vai dizer outra vez. Então eu prefiro ser verdadeiro”. Leia a seguir os principais trechos da entrevista à jornalista Melissa Monteiro:

INVESTIGAÇÃO – “De um lado, você tem uma série de denúncias que, naquilo que diz respeito à possibilidade de investigação do governo, nós estamos fazendo mais do que já foi feito mais do que em qualquer outro momento da história do Brasil e tem um problema grave, porque toda vez que você combate a corrupção, ela aparece mais na imprensa e passa para a sociedade a impressão que tem mais corrupção, exatamente, porque você está combatendo.

Nesses 29 meses de governo, mais de mil pessoas foram presas no Brasil, ou seja, presas de verdade por sonegação, por prática de corrupção e nós vamos continuar utilizando todo potencial que o Estado tem para fazer o que precisa ser feito no Brasil.”

BLINDAGEM- “Meus adversários devem ter ficado um pouco indignados. É que todas essas denúncias de corrupção não chegaram ao governo e, pelo contrário, as últimas pesquisas mostraram que o governo teve um crescimento, o que significa que o povo brasileiro está sabendo distinguir bem o que é denúncia verdadeira, o que o governo está apurado e o que é peça de discurso de pessoas que querem fazer discurso, ou seja, toda vez que alguém faz ilações sobre corrupção e não dá um nome concreto, fica difícil de apurar.”

“GOSTAMOS DE CPI” – “É importante lembrar que, também, não é a primeira vez que no Brasil tem uma CPI, ou seja, nós gostamos muito de CPIs, elas são feitas sistematicamente e eu acho que isso faz parte do jogo democrático.”

BRASIL NÃO MERECE CRISE – “Eu gostaria que não acontecesse isso, eu acho que o brasil não merece isso, porque o Brasil está vivendo um bom momento na sua economia, o Brasil está vivendo um bom momento na geração de empregos e eu gostaria que fosse tudo diferente. Mas não é. Faz parte da política, nós temos que encarar isso com a tranqüilidade que um dirigente tem que ter e vamos ver se os nomes aparecem e se as provas aparecem para que as pessoas possam ser punidas.”

APROVEITAR A CRISE – “A minha tese é que nós precisamos aproveitar esse momento que está acontecendo no Brasil para sermos mais duros, para criarmos mais mecanismos de proteção do Estado brasileiro e vamos fazer. Goste quem gostar, doa a quem doer, nós vamos continuar sendo implacáveis na apuração da corrupção e quem tiver que ficar bravo com o governo que fique, mas se tiver nós vamos apurar. Esse é o papel da Polícia Federal, esse é o papel do Ministério Público, esse é o papel do governo. Agora, o que nós precisamos é trabalhar com fatos verdadeiros para que a gente possa mostrar à sociedade o resultado concreto das investigações.”

MELHOR MOMENTO – “Eu, na verdade, quando tomei posse, tinha uma preocupação muito forte com a questão da política econômica. Isso foi resolvido e foi resolvido porque tivemos paciência. Foi resolvido porque não tomamos nenhuma atitude populista. Foi resolvido porque soubemos esperar o tempo certo de fazer as coisas e agora, na verdade, era o momento em que a gente estaria colhendo aquilo que nós plantamos em 2003 e 2004. Não estava previsto acontecer nenhum erro político, nenhuma crise mais forte, mas aconteceu e nós esperamos que se cada instituição cumprir com a sua parte, nós também resolveremos isso porque o Brasil não pode, de forma nenhuma, jogar fora essa oportunidade extraordinária que ele tem nesse momento.

MENTIRA E VERDADE – “A desgraça da mentira é que você, ao contar a primeira, passa a vida inteira contando mentira para justificar a primeira que você contou. E a verdade, não. A verdade você disse ela hoje daqui a cem anos você vai dizer outra vez, daqui a 200 anos vai dizer outra vez. Então, eu prefiro ser verdadeiro.”

PAI DO PT – “Eu tenho o PT como filho. Eu ajudei, sou um dos fundadores do PT. Acho que o PT está sendo vítima do seu crescimento. Em 20 anos, nós chegamos à Presidência da República do Brasil, coisa que em outras partes do mundo partidos demoram cem anos, 80 anos, 70 anos para chegar.”

ERROS DO PARTIDO – “O PT, se cometeu erros, a minha tese é que o PT tem que explicar para a sociedade brasileira que erros cometeu. Na medida em que o PT trocou a direção e tem agora uma nova direção e essa nova direção está fazendo uma auditoria interna no PT, e o Tarso Genro tem esse compromisso, é explicar para a sociedade onde é que o PT errou, por que o PT errou e como é que vai fazer para consertar aquilo que foi o erro cometido pelo PT. O que o PT fez, do ponto de vista eleitoral, o que é feito no Brasil sistematicamente, eu acho que as pessoas não pensaram direito no que estavam fazendo.

Porque o PT tem na ética uma de suas marcas extraordinárias e não é por causa de um erro de um dirigente ou de outro que o PT está envolvido em corrupção. Acho que a nova direção do PT saberá explicar para sociedade p que aconteceu com o PT e o que vai acontecer daqui para frente.”

SEM CULPA NA CRISE – “Já faz tempo que eu deixei de ser presidente do PT. Ou seja, eu fui presidente do PT durante três anos. Depois que eu virei presidente da República, eu não pude mais participar das direções do PT, não pude mais participar da reunião do diretório do PT. O PT tem autonomia em relação ao governo e o governo tem mais autonomia ainda em relação ao PT.”

DEPURAÇÃO DO PT – “Eu acho que o PT teve um problema, sabe, que é da questão da direção. Porque houve um tempo em que os melhores quadros da política de esquerda no Brasil eram dirigentes do PT.

E depois que nós ganhamos prefeituras, ganhamos governos estaduais, elegemos muitos deputados e eu ganhei a presidência, grande parte desses quadros do PT vieram para o governo. E a direção ficou muito fragilizada, ficou muito enfraquecida. Possivelmente por isso tenhamos cometido erros que outrora não cometeríamos.”

REELEIÇÃO – “Não estou pensando em 2006. Tenho um ano e meio de mandato ainda. Um ano e meio de mandato vai exigir de nós uma capacidade de trabalho muito grande. Nós temos muita coisa acontecendo no Brasil e precisamos cumprir nosso primeiro mandato. Não discuti ainda a reeleição. Não tenho pressa de discutir. Tenho que cumprir com o programa que eu prometi ao povo brasileiro em 2002 e depois pensamos em 2006.”