Ação civil pública completa 20 anos Em 1998, o juiz substituto Guilherme Pinho Machado, da Justiça Federal do Rio Grande do Sul, concedeu uma liminar em uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal e impediu o fumo nos vôos domésticos e internacionais de companhias aéreas brasileiras. A decisão vigorou até 2000, quando serviu de base para a sanção da Lei nº 10.167, que criou restrições à propaganda de cigarros e vetou seu uso em aviões. Já em 1999, o Ministério Público de São Paulo ingressou na Justiça com uma ação civil pública para obrigar o poder público municipal a adaptar a frota de ônibus ao transporte de deficientes físicos. No ano seguinte, o governo federal sancionou a Lei nº 10.098, obrigando todos os governos municipais a promoverem a adaptação. As ações são emblemáticas – porque acabaram por transformar em leis decisões judiciais – e servem de exemplo para ilustrar a evolução do uso da ação civil pública, instrumento criado no Brasil em 1985 com a edição da Lei nº 7.347 e que completa 20 anos dia 24 de julho.

Vinte anos depois, especialistas e estudiosos do assunto não têm dúvidas quanto à eficácia da ação civil pública na proteção de direitos difusos e coletivos no país, seja em questões relativas ao meio ambiente, ao consumo, ao patrimônio ou à economia popular. “A ação civil pública tem sido um dos principais instrumentos de defesa da cidadania no Brasil”, diz o jurista Luís Roberto Barroso, que no início de junho ministrou uma palestra sobre a ação civil pública brasileira na França, país que estuda a criação de um mecanismo semelhante. Hoje apenas Canadá e Estados Unidos, além do Brasil, contam com esse instrumento jurídico, lá denominado “class action”.

Um dos exemplos mais contundentes refere-se às ações propostas pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) contra praticamente todo o setor bancário por conta da aplicação de um índice menor do que o devido na correção da caderneta de poupança em fevereiro de 1989. Desde 1991, o Idec ajuizou 38 ações civis públicas contra 38 instituições financeiras reivindicando a devolução das diferenças, que representam 20,46% sobre os saldos das cadernetas de poupança em janeiro de 1989, conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Hoje, há processos de execução em andamento contra oito bancos, que representam mais de R$ 100 milhões devidos a 2.556 poupadores.

O amadurecimento da lei que criou a ação civil pública no país, no entanto, é recente e data do fim da década de 90. Isso porque, embora esse instrumento tenha sido criado em 1985, uma série de outras legislações que surgiram posteriormente acabaram por fortalecê-lo. A própria Constituição Federal de 1988, quando garantiu ao Ministério Público novas atribuições, fez com que o órgão extrapolasse suas limitações previstas na Carta anterior e passasse a ser responsável também pela proposição de ações que tivessem como objetivo a proteção dos direitos da população. “A evolução da ação civil pública é proporcional à evolução do Ministério Público”, afirma o promotor José Carlos Cosenzo, vice-presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp). Dois anos depois, o surgimento do Código de Defesa do Consumidor (CDC) ampliou ainda mais o rol de questões sob a mira da ação civil pública.

De acordo com o jurista José Geraldo Brito Filomeno, estudioso do assunto, mesmo antes da criação da ação civil pública, no entanto, promotores e advogados buscavam no ordenamento jurídico formas de proteger o interesse dos cidadãos. Segundo ele, na década de 70 foi ajuizada no Paraná uma ação popular para impedir que fosse construído um empreendimento turístico que poderia causar danos às esculturas naturais de Vila Velha, no município de Ponta Grossa, no Paraná. O local foi protegido. “As pessoas começaram a lançar mão de instrumentos alternativos”, diz o jurista.

Segundo Filomeno, em 1981 a Lei nº 6.938 – a Lei de Política Ambiental – foi na verdade a primeira lei a criar a possibilidade de proposição de ações civis públicas pelo Ministério Público para a proteção do meio ambiente. Hoje, embora a Lei nº 7.347 permita que também associações ingressem com esse tipo de ação, o Ministério Público ainda é o responsável por 95% de todas as demandas propostas.

Apesar da evolução da ação civil pública no resguardo dos direitos da população ao longo dos anos, no entanto, especialistas afirmam que ainda há muito por fazer. A jurisprudência dos tribunais brasileiros ainda não é pacífica no que diz respeito à legitimidade do Ministério Público e das instituições em promover ações civis públicas que contestem aumentos elevados da carga tributária, por exemplo. De acordo com Roberto Liviani, promotor em São Paulo, o Judiciário tem dificuldades em aceitar a questão. Segundo ele, as ações propostas contra as taxas do lixo e de iluminação pública têm obtido liminares em primeira instância, mas quase todas são derrubadas nos tribunais sob a alegação de que não se trata de um interesse coletivo.