Devastação criminosa O Ceará novamente está na rota de uma ave migratória (de arribação) muito estimada pelas populações sertanejas, a avoante, arribaçã ou pomba de bando – nomes pelas quais é conhecida no Nordeste – que escolhe os sertões para nidificar. A nota triste, mais uma vez, é a caça predatória massiva, que ameaça de extinção a espécie.

Desta vez, as notícias do crime ecológico vêm da zona rural de Morada Nova, onde já foram destruídos, segundo o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) mais de dois milhões de ovos e filhotes de três pombais existentes num sítio de 180 hectares, localizado a 10 quilômetros da sede do município. A presença de caçadores foi denunciada por pessoas que moram próximas ao local.

Há quase duas décadas, técnicos do Centro de Pesquisas para Conservação das Aves Silvestres-Cemave/Ibama pesquisam as avoantes no Nordeste. A avoante (Zenaida auriculata) é uma pomba de porte médio (cerca de 23 cm). Tem coloração parda, alto da cabeça cinza azulado e manchas escuras nas asas e duas quase horizontais nos lados da cabeça, além de uma bronzeada no pescoço. Os pés e pernas são vermelhos, vivendo tanto no campo limpo, cerrado, caatinga, campos de cultura e pastoreio (Sick, 1997). Vivem em bandos que se concentram em colônias chamadas ”pombais”, onde se reproduzem.

Antigamente, se supunha que vinham da África, mas os estudos comprovaram que a espécie migra pela caatinga, deslocando-se por vários Estados, acompanhando o ciclo das chuvas. Na verdade, constitui-se um recurso natural da região nordestina e nas secas são uma bênção para as populações sertanejas famintas, tal como as codornizes para o povo hebreu, no deserto.

Mas, a avoante não é apenas um importante recurso alimentar para a subsistência das populações carentes do interior, o problema é que se transformou em alvo permanente da caça comercial para abastecer feiras, bares e restaurantes. A medida que se expandiu a malha viária do Nordeste, chegou às cidades maiores e capitais como um tira-gosto exótico, cuja aceitação levou ao desenvolvimento de um comércio clandestino de grandes proporções, no qual toneladas dessas aves são vendidas salgadas. É aí que entra o aspecto predatório a exigir a ação pronta e eficaz do poder público.

É preciso efetuar um manejo racional desse recurso, evitando o seu esgotamento. Isso exige que o Cemave/Ibama entre em ação, fazendo um levantamento científico da migração das avoantes, de modo a traçar um esquema de proteção para garantir a sua reprodução, visto que elas são atacadas justamente no momento em que fazem os ninhos e põem os ovos. A partir daí ver a maneira de garantir uma caça apenas para o consumo da população, sem a destruição dos pombais, isto é, dos ovos e dos filhotes. A caça comercial deve ser proibida rigorosamente.

Nada disso, evidentemente poderá ser feito sem a participação da população, o que exigirá campanhas de esclarecimento. Aliás, é indispensável que as noções ecológicas a esse respeito sejam incutidas desde o banco escolar, assim é preciso que essa e outras informações sobre o sistema ecológico de cada região sejam repassados aos alunos da rede pública e privada.

Enquanto isso, é preciso articular uma ação ostensiva de repressão, incluindo o Ministério Público, o Ibama e Polícia Militar para proteger os pombais de Morada Nova. A providência é mais do que necessária visto ter-se constatado este ano a redução do número de avoantes quando comparadas com o ano passado e os anteriores. Trata-se de barrar o quanto antes a devastação provocada pelas matanças indiscriminadas, antes que seja tarde demais.