Fim do foro privilegiado é festejado Com o retorno à Justiça em primeira instância, aproximadamente 500 processos contra ex-gestores cearenses deverão tomar novo impulso. O cálculo é do presidente da Confederação dos Membros do Ministério Público (Conamp), João de Deus Duarte Rocha. Nos últimos três anos que estiveram em segunda instância, ou seja, sob o poder de Tribunais Especiais, cerca de 40 mil processos contra ex-autoridades ficaram paralisados, segundo o desembargador. Com o retorno à primeira instância, os juízes darão prioridade a processos que estão prestes a prescreveram.

Na última quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou o privilégio de ex-gestores de serem investigados e processados criminalmente somente nos tribunais, conhecido como foro privilegiado. As ações diretas de insconstitucionalidade (Adins) foram movidas pelo Confederação dos Membros do Ministério Público (Conamp) e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

De acordo com João de Deus a lei, que foi sancionada no final de 2002, superlotou os tribunais e beneficou os acusados. Para ele, o retorno às comarcas de origem, não deverá acarretar prejuízos aos processos, pois as investigações feitas durante a vigência da lei serão incorporadas aos autos. O desembargador reconheceu que processos prescritos não terão mais como ser julgados, já que o prazo corre normalmente.”Havia sido um retrocesso da justiça Brasileira”

”Risco de prescrever é menor”

O presidente da Confederação Nacional do Ministério Público, João de Deus Duarte Rocha, conversou com O POVO por telefone, na última sexta-feira. Disse, na ocasião, que a vigência do foro privilegiado era uma ”injustiça com a sociedade”. Confira os trechos principais da entrevista:

O POVO – Por que a Confederação Nacional do Ministério Público (Conamp) e a Associação dos Magistrados Brasileiros entraram com a ação para revogar a lei que dava foro privilegiado aos ex-gestores? JOÃO DE DEUS – Nós ajuizamos uma ação direta de inconstitucionalidade e obtivemos a vitória dos membros do Ministério Público, porque aquela lei privilegiou os ex-gestores que praticaram os crimes de improbidade e premiou a corrupção no país. A lei representava um retrocesso e chegou a paralisar cerca de 40 mil ações civis públicas porque retirou dos promotores, dos juízes, das comarcas, das varas o direito de investigar esses crimes. São Paulo, por exemplo, tem uma média de 2 mil processos de ex-gestores. No Ceará são 330 promotores.

OP – Quantos ex-gestores estão respondendo processo nos Tribunais Especiais e agora passarão à justiça em primeira instância? JOÃO DE DEUS – Não temos um levantamento exato, mas são milhares de ações, que ficaram paralisadas. Acreditamos que chega a cerca de 40 mil ações em todo o Brasil. No Ceará temos uma média 400 a 500.

OP – Se o processo zera, também zera o prazo? JOÃO DE DEUS – Cada processo voltará à primeira instância. Não zera, o processo é retomado do ponto em que havia parado quando foi abordado pela procuradoria ou pelo tribunal. Depende da natureza da ação. Ela tem um prazo para prescrever. Depende da pena, tudo isso é caso concreto. Mas, é claro que nesse período que ficou parado, alguns já prescreveram.

OP – Qual a diferença entre o tempo de julgamento da primeira e da segunda instância? JOÃO DE DEUS – A norma que disciplina o centro de julgamento para cada ato é o mesmo, seja pelo Supremo Tribunal Federal ou na justiça comum. Se a lei prevê que ela deve ser julgada em dez anos, é a mesma nas duas instâncias. Na prática uma comarca de primeira instância tem capacidade de julgar mais rápido do que o Supremo Tribunal Federal, pelo volume de processos. No Brasil temos 10 mil promotores e 12 mil juízes que poderiam atuar no combate à corrupção, mas o trabalho foi centralizado nas mãos de 27 procuradores gerais. Na prática ficava impossível.

OP – A lei era injusta? JOÃO DE DEUS – Injusta para a sociedade e muito benéfica para os corruptos porque eles se beneficiaram do tempo em que ela passou em vigor. O juiz em primeira instância pode recuperar, evitando prescrições que estavam perto de acontecer. Mas, isso (prescrições) aconteceria caso a lei continuasse em vigor porque o tribunal não tinha estrutura para julgar tantos processos.

OP – Qual o impacto dessa enxurrada de processos na primeira instÂncia da justiÇa? Como deve ser a recepÇÃo desses processos, ou seja, como a justiÇa farÁ para abrigar tantos processos novos? JOÃO DE DEUS – Esses processos já estavam tramitando normalmente nas varas, de onde sairam para as procuradorias e os tribunais. Não terá impacto porque as 40 mil ações vão ser diluídas nas diversas comarcas do país. Fica um número pequeno para cada Vara.

OP – Alguma medida para dar maior celeridade a esses processos? JOÃO DE DEUS – Acredito que os colegas promotores e juízes assim que receberem vão dar prioridade àqueles que estão mais próximos de prescreverem. O risco de prescrever é bem menor. A sociedade vai ter um retorno mais imediato no combate à corrupção, porque vai ser diluído entre os dez mil promotores.