Passo em falso no CNJ Em três meses de funcionamento, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recebeu 85 denúncias de desvio de conduta contra juízes, mas julgou apenas uma delas. E, mesmo assim, a primeira decisão do órgão especialmente criado para promover o controle externo do Poder Judiciário foi arquivar a denúncia, por 8 votos contra 6. O grave é que votaram a favor dessa decisão os representantes dos diferentes setores e instâncias da magistratura, enquanto os votos pela apuração das acusações e pela aplicação de uma punição administrativa foram dados pelos integrantes do CNJ escolhidos fora dos quadros da magistratura.
Essa demonstração explícita de corporativismo mostra como será difícil mudar a cultura profissional da magistratura, uma das condições fundamentais para a modernização daquele que é o mais anacrônico dos três Poderes. O mais ilustrativo, contudo, não é a contagem apertada desse julgamento nem a divisão interna do Conselho, mas, sim, a maneira como foram tratadas as demais 84 denúncias de desvio de conduta contra magistrados.
Ao recebê-las, o corregedor do CNJ, ministro Pádua Ribeiro, que é juiz de carreira, determinou o arquivamento das denúncias. Com isso, as 84 denúncias sequer foram submetidas à apreciação dos demais 14 integrantes do Conselho. Aliás, a denúncia que chegou a ser apreciada pelo órgão também recebeu despacho de arquivamento e só foi julgada porque houve recurso apresentado ao plenário.
Esse processo diz respeito a uma denúncia de excessiva morosidade contra uma das Varas de Infância do Distrito Federal, num caso de adoção. Quatro anos após o início da ação, ela ainda não havia sido julgada. Segundo Pádua Ribeiro, como essa denúncia trata de uma questão jurisdicional envolvendo a aplicação de leis e códigos, ela deveria ser julgada pelas vias processuais ordinárias. Por isso, propôs seu arquivamento. Ao endossar esse parecer, os demais integrantes do CNJ oriundos dos quadros da magistratura alegaram que não cabe a esse órgão substituir as instâncias próprias para a resolução de questões disciplinares, ou seja, as corregedorias dos tribunais.
RECÉM-CRIADO, O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA JÁ ADERIU AO CORPORATIVISMO?
Em termos concretos, o prevalecimento desse ponto de vista pode esvaziar uma das principais funções do Conselho, mantendo com isso o statu quo no âmbito da Justiça. Uma das razões que levaram à adoção do controle externo foi, justamente, a inépcia das velhas corregedorias judiciais. Por seu entranhado corporativismo, muitas delas, a pretexto de ‘preservar a imagem da instituição’, deixaram de aplicar punições severas no devido momento, o que acabou abrindo caminho para graves irregularidades no Poder Judiciário.
O caso mais conhecido é o da Justiça do Trabalho em São Paulo. Se a corregedoria do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) fosse eficiente e imune ao corporativismo, em seu papel fiscalizador e disciplinar, dificilmente a construção do Fórum Trabalhista Rui Barbosa teria se convertido no escândalo que levou uma CPI do Senado a investigar as atividades do responsável pelas obras, o juiz Nicolau dos Santos Neto, ex-presidente da Corte.
Para tentar evitar o precoce esvaziamento do CNJ, os integrantes do órgão escolhidos fora dos quadros da magistratura manifestaram-se contra o arquivamento da primeira denúncia por desvio de conduta formulada contra um juiz, mas acabaram sendo derrotados. Embora não se possa prever quais serão os desdobramentos desse julgamento, fica evidente que, se os representantes da magistratura no Conselho continuarem agindo com critérios exclusivamente corporativos, em matéria de questão disciplinar, estarão inviabilizando o controle externo.
Nunca é demais lembrar que esse controle foi aprovado pelo Congresso, cujos membros são escolhidos por voto direto do eleitorado. Ao investir contra essa importante experiência de modernização da Justiça, os juízes estão desprezando os interesses de quem os sustenta. A conseqüência dessa resistência pode ser a aprovação, no futuro, de reformas judiciais muito mais drásticas do que a aprovada em 2004, por meio da Emenda Constitucional nº 45.