O povo decidiu. Nada muda em relação ao comércio de armas de fogo no país. Apurados 98,44% dos votos depositados nas urnas para participar do referendo, 63,89% votaram para que as centenas de lojas que vendem armas no Brasil continuem de portas abertas. A proposta de proibir a venda de armas, que obteve 36,11% — defendida pela Frente Parlamentar Brasil Sem Armas — não foi vitoriosa em nenhum estado brasileiro (incluindo no Distrito Federal). O resultado favorável à manutenção do comércio foi maior do que o previsto pelos institutos de pesquisa de opinião, que indicavam uma diferença de, no máximo, 10 pontos porcentuais. O nível de abstenção foi de 21,73% dos mais de 122 milhões de eleitores. Os votos em branco somaram 1,4% e os nulos, 1,6%. Nos estado das regiões Sul e Sudeste, o número de eleitores contrários à venda foi ainda mais expressivo do que no resto do país. Tal como previsto pelas pesquisas divulgadas nas últimas semanas, os gaúchos foram os que mais reagiram à possibilidade de proibir o comércio de armas. No Rio Grande do Sul, 86% da população votaram para que prevalecessem as atuais regras para compra de armamento e munição.
Em apenas quatro estados — Bahia, Ceará, Alagoas e Pernambuco —, além do Distrito Federal, a diferença entre os dois lados foi inferior a 15%. Em Brasília, 56% da população votaram contra a proibição e 43% pelo fim do comércio. Em Alagoas e Pernambuco, estados onde, respectivamente, foram eleitos o senador Renan Calheiros (PMDB) e o deputado Raul Jungmann (PPS), líderes da frente que lutava pelo fim do comércio, a performance da chapa não foi tão ruim: 44% dos alagoanos votaram “sim” à proibição e 55% disseram “não”. Já entre os pernambucanos, 45% foram favoráveis ao fim da venda de armas e 54% contrários à proposta.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Velloso, encarou com naturalidade a diferença entre o resultado e as pesquisas divulgadas na véspera do referendo. “Este é um país continental. Se um instituto mostra que fulano vai ganhar com 10 pontos de vantagem e ele perde, temos de reconhecer que houve erro. Mas não foi o caso”, afirmou o ministro, para quem as pesquisas detectaram uma tendência. Ainda assim, ele reconheceu: “Fiquei surpreso pela diferença ter sido tão larga”.
Espírito Santo
A votação transcorreu tranqüila em quase todo o país, sem que tenha sido registrado nenhum caso de prisão por boca-de-urna. O primeiro estado a concluir a apuração foi o Espírito Santo, que divulgou o resultado antes das 21h. “Veja o milagre da eletrônica. Eu lembro quando ficávamos mais de uma semana contando votos. A economia parava”, lembrou Velloso. Embora o resultado tenha sido anunciado quatro horas e 40 minutos depois do início da apuração, só amanhã a totalização será concluída.
Isso porque há dificuldade de acesso a algumas localizadas no interior, principalmente da Região Norte. “O resultado está dado, mas a apuração final pode demorar um pouco mais por causa do transporte das urnas. A mesma dificuldade que tivemos para levar teremos para buscar”, explicou o presidente do TSE. O TSE contabilizou quase 3 mil urnas eletrônicas com problemas. O presidente do tribunal considerou o número muito baixo. Ele disse que das 323.368 urnas eletrônicas, apenas 2,8 mil tiveram de ser substituídas por urnas reservas, o equivalente a 0,87% do total. Em todo o país, apenas 63 urnas apresentaram problemas e não houve tempo hábil para realizar substituição — nessas situações, o leitor teve de votar manualmente.
O ministro afirmou que o custo da consulta popular ficou abaixo do previsto: R$ 250 milhões, R$ 20 milhões menos do que o valor anunciado por Velloso no início da tarde. Ele ressaltou que, na eleição de 2004, o custo ultrapassou R$ 500 milhões. A economia com o referendo pode ser explicada pelo fato de as eleições terem segundo turno e de até o ano passado o TSE ainda ter gasto dinheiro com a compra de equipamentos de informática. Satisfeito com o resultado, o presidente da Frente pelo Direito à Legítima Defesa, deputado Alberto Fraga (PFL-DF), apareceu ontem no TSE no início da noite para conversar com jornalistas. “Nós sempre combatemos essa grande injustiça que iria se cometer contra o povo brasileiro. Não é o cidadão de bem que está matando os nosso filhos nas ruas”, disse.