Negociação exaustiva

Muito antes de dividir os ministros do Supremo Tribunal Federal e possibilitar a última tentativa de procrastinação feita pelo ex-deputado José Dirceu, as testemunhas do seu processo de cassação já representavam nos bastidores a maior das dores de cabeça enfrentadas pelo relator do caso no Conselho de Ética da Câmara, deputado Júlio Delgado (PPS-MG). Em conversa exclusiva com o Correio ontem à tarde, em um restaurante de Brasília, Delgado contou que as testemunhas de defesa indicadas por Dirceu em seu processo evitavam ao máximo marcar seus depoimentos. Foi necessária uma exaustiva negociação pessoal para que os testemunhos acontecessem. E eles eram fundamentais. De acordo com o regimento do Conselho de Ética, a ausência dos depoimentos das testemunhas de defesa poderia provocar a nulidade do processo.

Os problemas aconteceram com três das testemunhas, que demonstravam que a situação, no mínimo, os constrangia. Menos com o hoje presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), mais com o deputado Eduardo Campos (PSB-PE) e com o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). Além desses, Dirceu arrolou como testemunhas o escritor Fernando Morais, que escreve a sua biografia, e o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que respondeu por escrito. Passados 30 dias do início do processo, Delgado simplesmente não conseguia marcar os depoimentos.

“Você sabe alguma coisa?”, perguntou Delgado numa longa conversa com Eduardo Campos às vésperas de seu depoimento. “Não, não sei nada”, respondeu Campos. “Então, por que temer? Eu vou perguntar se você sabe, você vai dizer que não, e pronto”, insistia Delgado. Conversas semelhantes aconteceram com Chinaglia e Aldo Rebelo. Aldo foi o que criou menos obstáculos. “Você marca o dia, eu vou”, disse a Delgado. Mas acrescentou uma proposta, que acabou prevalecendo: “Mas o bom era que nós três fôssemos no mesmo dia”. Com três depoimentos no mesmo dia, era uma forma de garantir que o tempo de inquirição seria curto. Mesmo acertado que seriam ouvidos no mesmo dia, restou uma nova batalha. Todos queriam fazer o depoimento do meio. Avaliavam que quem depusesse no meio, ficaria imprensado pelos demais e, teoricamente, falaria por menos tempo.

Telefonema

Na noite de quarta-feira, depois que fez seu discurso pedindo a cassação de Dirceu, Delgado não ficou no plenário da Câmara até o anúncio do resultado final. Acompanhou de um restaurante. Não conseguia, porém, sorrir. Sorriu apenas um pouco quando recebeu um telefonema de seu filho de 13 anos. “Pai, passei de ano”, disse ele. “Cumpri com a minha obrigação e você com a sua”, completou. Delgado, na verdade, preocupava-se com as conseqüências que seu trabalho no Conselho de Ética poderá ter daqui por diante, dada a pressão que sofreu durante os 110 dias em que foi o relator do processo contra Dirceu.

No PSB, a pressão começou já quando Delgado aceitou a incumbência do presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar (PTB-SP), para ser o relator do processo. “Por que você foi aceitar isso?”, lamentou o líder do PSB na Câmara, Renato Casagrande (ES). A pressão mais explícita, porém, veio de Ciro Gomes. “Qualquer que seja o resultado disso, você perde ou perde”, disse Ciro.

Do próprio José Dirceu, não houve pressão direta. Em nenhum momento, o ex-ministro conversou com o relator do processo. Alguns deputados petistas, como Sigmaringa Seixas (PT-DF), conversaram com Delgado, mas de forma suave, apenas para medir o grau de convencimento do relator. O mais próximo que Dirceu chegou de Delgado foi numa viagem não anunciada que fez a Juiz de Fora, quando conversou com o ex-presidente Itamar Franco. Delgado temeu que Dirceu procurasse seu pai, o ex-prefeito da cidade e ex-deputado Tarcísio Delgado. “Não se preocupe. Aqui, ele não me acha”, respondeu Tarcísio Delgado. E correu para um sítio que tem a 20 quilômetros da cidade, onde não há telefone e nem sinal para celular.

Ao final, o que mais incomodou Delgado foi a estratégia usada por Dirceu de recorrer à Justiça e adiar o final do processo. A cada momento em que isso acontecia, Delgado ouvia insinuações de que errava de propósito para possibilitar os recursos e ajudar Dirceu, numa estratégia combinada entre o ex-ministro da Casa Civil e o relator da base governista, que deixara o PPS pelo PSB justamente porque queria continuar apoiando o governo. Segundo Delgado, isso foi tornando o caso pessoal. Além da Dirceu, ao final estava em jogo também a sua reputação.