Ações do fisco desrespeitam direitos do contribuinte

por Raul Haidar

Sob o aspecto da tributação, 2005 foi terrível. Rezo para que não piore um pouco mais com as “bombas” do fim do ano..

As entidades empresariais, inúmeros políticos, diversos sindicalistas e principalmente muitos tributaristas afirmaram que o desenvolvimento do País depende de que três requisitos sejam atendidos: redução da carga tributária, segurança jurídica e simplificação das rotinas burocráticas.

Lamentavelmente, em todos os níveis de governo – federal, estadual e municipal – as autoridades fazendárias procuraram apenas fazer o contrário: aumentar tributos, mudar regras no meio do jogo e complicar ainda mais o cipoal fiscalista que nos enrola a todos.

O ano começou muito mal, com a Lei Complementar 118 de 9 de fevereiro, alterando vários artigos do Código Tributário Nacional, com o claro objetivo de cercear direitos dos contribuintes. Por exemplo: a mudança do artigo 174 teve o objetivo de eternizar as dívidas fiscais, ampliando de forma injusta o prazo da prescrição, na medida em que já não é mais a citação do contribuinte que a interrompe, mas o despacho judicial que a ordena. Esse é um prêmio à preguiça do poder público, ao descaso com a cobrança da dívida ativa.

A esperada reforma tributária, que supostamente poderia transferir mais recursos aos Estados e Municípios, continua emperrada no Congresso desde 2003, sem qualquer previsão de andamento.

Tudo indica que o próprio governo prefere que as coisas fiquem como estão, possibilitando à União segurar em suas mãos a maior parte da riqueza gerada com os tributos, para continuar distribuindo-os segundo critérios políticos no pior sentido. Isso explica as retenções de verbas para o metrô e para o rodo-anel de São Paulo, por exemplo.

O pior de tudo é que esse projeto de reforma não atinge nenhum daqueles três requisitos citados no início. Teoricamente, busca simplificar a legislação do ICMS, mas não há garantias de que a carga diminua ou que as regras sejam estabilizadas a curto ou médio prazos.

Também podem ser considerados como atos de terrorismo tributário muitas ações do fisco federal que desrespeitaram os direitos fundamentais do contribuinte. Por exemplo: a presença muitas vezes desnecessária de agentes policiais para acompanhar trabalhos de fiscalização, a instauração de inquéritos policiais por suposta sonegação mesmo quando não tenha havido lançamento de tributo, a divulgação na imprensa de ações fiscais cujo objetivo principal parece ser mais o espetáculo do que a arrecadação; enfim, a generalização de uma presunção de culpa que contraria a Constituição e até mesmo a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Maldades

O uso exagerado e desmotivado de medidas provisórias para tratar de questões tributárias é outra coisa a ser lamentada. Vimos , por exemplo, a queda da MP 258, que criava a Receita Federal do Brasil (ou “super-receita” como foi apelidada), ser mais uma conseqüência da incompetência política do governo do que o resultado de um debate sério que o Congresso parece não apreciar.

No fim do ano, veio a Lei 11.196, de 22 de novembro, que os marqueteiros fazendários apelidaram de “MP do Bem” , tentando compensar as maldades do ano todo, mas com pequenos benefícios a um número restrito de pessoas.

A mudança no imposto de renda sobre ganhos de capital, por exemplo, não compensa nem corrige a falta de atualização dos valores constantes da declaração de bens da pessoa física, que continua sendo tributada injustamente sobre lucros inexistentes. A injustiça tributária não foi eliminada, mas apenas diminuiu um pouco.

A isenção de PIS e Cofins para alguns produtos lácteos também não é suficiente para compensar o consumidor desses alimentos pelas conseqüências da não correção integral da Tabela do Imposto de Renda, que continua prejudicando os assalariados.

O aumento do teto de enquadramento do “Simples” é um benefício para as pequenas empresas, mas elas continuarão com dificuldades de sobrevivência enquanto estiverem sujeitas aos juros extorsivos que incidem sobre todos nós.

Enfim, foi muito enfeite e foguetório para pouco conteúdo de benefícios tributários…

Esses pequenos benefícios não são suficientes, por exemplo, para ressarcir os empresários, grandes, médios ou pequenos, pelas enormes perdas que o péssimo serviço público vem causando a todo o País.

Guerra burocrática

Qualquer empresa que necessite de uma certidão negativa, seja para participar de uma concorrência, seja para obter um financiamento ou qualquer outro negócio, vê-se diante de uma verdadeira “guerra”, pois a burocracia oficial é trágica. Empresas que nada devem, figuram como devedoras, simplesmente porque os serviços informatizados oficiais não são capazes de se adaptar à insuficiência ou ineficiência de quem os deve operar.

A terceirização do serviço público, que deveria limitar-se à limpeza, conservação, vigilância e serviços dessa espécie, já atinge o atendimento ao público, onde pessoas não concursadas, contratadas por salários irrisórios para enriquecer intermediários, acabam tendo acesso a informações que a lei diz que são sigilosas.

Há milhares de pessoas que desejam e precisam trabalhar para criar empregos, pagar tributos, gerar riquezas, mas são obrigadas a esperar muito além do razoável apenas para legalizar sua empresa, obter o CNPJ , os alvarás, etc. Com isso, facilita-se a corrupção, estimula-se a intermediação, aumentam-se as filas e assim todos perdemos.

Barreiras do inferno

No âmbito estadual as coisas talvez não sejam tão trágicas, mas também impera o terrorismo tributário. Veja-se, por exemplo, o que ocorre nas operações interestaduais, onde alguns estados transformaram certos locais em autênticas “barreiras do inferno”, apreendendo mercadorias por qualquer razão idiota ou sem nenhuma razão, obrigando motoristas a enormes perdas de tempo, criando toda série de dificuldades para que o Brasil progrida, para que as pessoas trabalhem. Já é hora de se criar uma legislação nacional que impeça essa maluquice toda que, atualmente, apenas favorece os criminosos.

Registre-se, neste ponto, que o estado de São Paulo vem, ultimamente, promovendo algumas reduções de alíquotas do ICMS, mas ainda insiste num IPVA dos mais elevados e aumenta os custos das empresas com obrigações acessórias que poderiam ser reduzidas.

Mas nos municípios também já se implantou o terrorismo tributário, especialmente nas capitais, onde ainda se insiste em cobrar 5% de ISS – imposto sobre serviços – que poderia ser suportável quando esse imposto foi criado, em 1967, mas que hoje ninguém suporta mais, pois agora existem a Cofins, o PIS, a CSSL, a CIDE, a CPMF, etc., tributos que não havia naquela época..

Além disso, o ICMS (antigamente apenas ICM) não incidia sobre energia elétrica nem telefone, enquanto sua alíquota básica era de 13% e hoje é de 18%. Lembre-se, ainda, que os municípios tinham 20% de participação nesse imposto, enquanto hoje possuem 25%. Ou seja: a arrecadação dos municípios cresceu muito nos últimos vinte anos, mas os prefeitos estão sempre querendo mais e mais…

Culpados

E agora, no fim do ano, a prefeitura de São Paulo inventou nova tática terrorista, que é exigir cadastro de contribuintes sediados em outros municípios, a pretexto de que estariam pagando imposto a menor com o uso de meios ilícitos. Conseguiu a prefeitura, com a tradicional cumplicidade dos vereadores, alterar o princípio constitucional da presunção. Entendem as nossas autoridades municipais que todos somos culpados do crime de sonegação. Inocência, que sempre foi presumida, agora é algo que precisamos provar.

Mas além disso tudo, ganha enorme relevância, no sentido negativo, a absoluta insegurança jurídica que atinge todos os contribuintes, em todos os níveis.

Em qualquer país que se intitule um estado democrático de Direito, o Judiciário sempre foi o porto seguro onde o contribuinte encontra proteção para os seus direitos violados. Mas de tempos para cá já não temos essa garantia. Já existem juizes que se negam a dar liminares apenas porque não querem ser confundidos com membros de uma suposta “indústria”.

Ou seja: porque num ou noutro caso noticiou-se a concessão de liminares suspeitas, juizes há que, por excesso de zelo, se esquecem de sua própria independência e se imaginam na obrigação de dizer sempre “não” a pedidos de contribuintes, numa postura que autorizou Ruy Barbosa a apelidá-los de juizes “fazendeiros”.

O empreendedor, assim, vê-se num primeiro momento com grande dificuldade para investir num país cuja carga tributária é a maior do mundo e onde os serviços públicos são precários.

Mesmo que resolva enfrentá-la, sabe que a lei muda a toda hora. Portanto, não pode saber quanto pagará de imposto a médio ou longo prazo.

Mas muito pior é quando se vê privado de seu direito e sabe que não pode contar com uma pronta resposta do Judiciário, que hoje muda de posição com muita freqüência.

Todas essas questões, sem dúvida, acabaram se refletindo na queda do PIB. Se o Brasil cresce a uma taxa ridícula, inferior aos países em desenvolvimento e insuficiente para gerar os empregos que precisamos, sem dúvida que a grande responsável é a ausência de uma política tributária adequada.

Nossos administradores tributários, — embora ostentem brilhantes títulos acadêmicos e se orgulhem de grandes arrecadações, que são apenas o confisco do sacrifício da Nação e o resultado do empobrecimento da classe média brasileira — parece que estão apenas interessados na manutenção de seus empregos, na adulação de seus egos super-inflados e na conquista de suas confortáveis aposentadorias.

Isso tudo, é bom que saibamos todos, não pode durar para sempre. Assim, ao fazermos uma Retrospectiva de 2005, ainda que de forma superficial, nós, tributaristas, só podemos ficar um pouco felizes porque o ano está terminando…