As boas notícias de 2006 Erick Guimarães

A semana passada trouxe duas grandes notícias, que não podem passar sem registro. A primeira diz respeito ao fim do pagamento pela convocação extraordinária de parlamentares federais e a redução do recesso de 90 para 55 dias por ano, com sua conseqüente repercussão para o Legislativo estadual. A segunda trata da exoneração de parentes de procuradores e promotores de Justiça do Ministério Público.

São assuntos aparentemente distintos, mas que tratam de uma mesma questão: a relação da elite brasileira com o Estado.

O primeiro caso é o exemplo perfeito do descompasso brasileiro entre a sociedade civil e seus representantes. Há dois meses, a possibilidade de o Congresso acabar com o pagamento de R$ 26 mil na convocação extraordinária seria impensável. Os deputados cearenses, por exemplo, reagiram com irritação aos colegas que recusaram a primeira parcela do benefício ou anunciaram que iriam doá-lo. ôÉ hipocrisia®, disse, na época, o deputado Almeida de Jesus (PL) sobre os colegas.

Hipocrisia ou não, o parlamentar não percebeu que os eleitores se cansaram de pagar R$ 95 milhões para deputados e senadores fazerem em janeiro o que deveriam ter feito ao longo de todo o ano passado. Com a primeira parte do dinheiro no bolso, boa parte da bancada saiu de férias, deixando o Congresso às moscas e irritando ao extremo a opinião pública. Por tudo isso, não votar o projeto seria um suicídio eleitoral em novembro deste ano.

A segunda mudança diz respeito à exoneração de parentes de promotores e procuradores de Justiça de cargos comissionados do Ministério Público. É o símbolo do aparelhamento do Estado pelo interesse privado. O que se viu na semana passada é uma mudança inicial e incompleta – não se sabe, por exemplo, que providências foram tomadas contra o nepotismo cruzado – mas nem por isso deixa de ser uma mudança importante.

O mais importante das duas medidas é que elas têm efeito multiplicador, a partir da pressão da própria sociedade. No caso do fim do pagamento da gratificação, a Assembléia já anunciou que irá seguir o exemplo e acabar com a festa . Nos últimos 20 anos, por exemplo, a sociedade viu a Assembléia ser convocada pelo menos 18 vezes. A mudança põe por terra uma antiga reivindicação de alguns vereadores de Fortaleza que, vira e mexe, tentam ressuscitar o pagamento da gratificação em caso de convocação. O pagamento foi extinto por um projeto do então vereador Heitor Férrer (PDT).

No caso do Ministério Público, intensifica-se a cobrança para que o Tribunal de Justiça adote a mesma posição. A médio prazo, espera-se que tanto o TJ como a Procuradoria Geral de Justiça reduzam ao mínimo necessário o número de cargos comissionados ocupados por não-concursados. É a única forma atingir o xis da questão: criar um corpo burocrático no serviço público que seja o menos dependente possível do dirigente de plantão.