Uma terceira pessoa teria matado ex-soldado na Base Antes de se despedirem ao telefone, a adolescente G.A.W., 17, e o ex-soldado Francisco Cleoman Fontenele Filho, foram surpreendidos por uma “explosão”. Em seguida, coisa de segundos, ficaram em silêncio – quebrado por um grito do então companheiro. Segundo a ex-namorada, ele teria pronunciado “ei, ma!”. Como se tivesse estranhado a chegada inesperada de alguém no alojamento onde estava de serviço com outro militar. Eram aproximadamente 18h20min do dia 10 de setembro de 2004, hora que Fontenele morreria após receber um tiro na cabeça.
A comunicação, após o susto do casal, fora interrompida. “Alguém”, de acordo com G.A.W., teria apertado a “tecla de espera” do aparelho telefônico e cortado o contato da estudante secundarista com o ex-namorado. Fontenele e R.

Mendonça, sentinelas do posto 14 da Base Aérea, seriam protagonistas, a partir dali, de uma das histórias policiais mais misteriosas do cotidiano de Fortaleza.
Para G.A.W., uma certeza: alguém que estava na Base Aérea, que não R. Mendonça, assassinou covardemente Cleoman Fontenele Filho. O “Peu”. Apelido carinhoso dispensado pela adolescente desde que se conheceram no carnaval de 2004. Leia a seguir relatos sobre os últimos cinco minutos de vida do ex-soldado da Aeronáutica. A entrevista foi autorizada pela mãe da estudante e com o consentimento do promotor militar Alexandre Saraiva Leal.

Quando você falava ao telefone com o soldado Cleoman Fontenele, alguma vez ele disse em que posição se encontrava. Em pé ou deitado?

Não. A primeira vez, como eu estava ligando de um lugar muito barulhento, ele não escutou a minha voz. Pra você falar com alguém de lá (Base Aérea de Fortaleza), tem toda uma burocracia. Tem de dizer assim: “eu queria falar com o S2 Fontenele”. Então daqui que eu diga isso, ele (Fontenele) não entendeu. Eu liguei e ele desligou. A segunda vez que liguei, ele atendeu e como só conseguiu ouvir barulho, achou que era alguém passando trote e disse que não ligasse mais. Na terceira vez, eu disse: “Peu, sou eu: G!”. Aí, ele reconheceu e atendeu.

A ligação telefônica passa primeiro por uma central na Base Aérea?

A primeira passou, mas depois liguei para a central e eles me deram o direto: 3216.3133. Quando eu consegui falar, baixou mais o barulho. Era a hora que havia terminado a aula e todo mundo estava indo embora do colégio (local de onde ela fez a ligação). Aí, fiquei conversado com ele. Eu disse que tinha uma notícia boa. Eu havia conseguido um carro, uma van, pra levar “a gente” para o Clube do Vaqueiro. “Eu, você e nossos amigos para a festa do Limão com mel”. Aí, ele disse: “Que bom, vou poder beber”. Ele não ia voltar dirigindo! Perguntei porque no dia anterior, ele havia ido lá em casa, à noite, saído sem retornar como havia combinado. Ele tinha dito que estava com vontade de ver o pai dele. Eu disse: “pois então vá, mas volte”. Não importava a hora. No outro dia, ele disse que ficou conversando muito com o pai e perdeu a hora. Saiu lá de casa por volta das 20 horas e chegou no pai dele às 22h30min da quinta-feira (um dia antes da morte).

Disse pelo telefone o assunto que foi tratar com o pai?

Não. Disse que foi pedir dinheiro, conversar com ele. Depois ele falou que ia ficar de pernoite (na sexta-feira, dia 10)e quando saísse, no sábado, vinha pra minha casa e depois íamos para o show no Clube do Vaqueiro. Aí, quando ele foi dizer aquelas frases de final de ligação, tipo “eu te amo”, quando ele fechou a boca, a gente escutou um barulho, um estampido. Eu e ele. Ficamos, os dois, em silêncio.

Então ele escutou e você também?

Os dois escutaram um tiro. Não sei se é tiro, eu pensei que fosse uma explosão de tão forte. Aí ele gritou: “Ei, ma!”. Escutei um “ma”. Não sei se era “ma” de “macho”. Não sei, nitidamente, o que ele quis dizer. Aí, entrei na linha de espera e passei a ouvir uma música.

Você entrou na linha de espera?

Alguém apertou a tecla de espera do telefone.

A linha caiu?

Não, eu entrei na linha de espera. Não desligou, foi como se alguém apertasse a tecla.

O telefone no qual ele falava…

Era o fixo que fica dentro do alojamento, do local onde estava de serviço.

No seu depoimento, dado durante as apurações do Inquérito Policial Militar, você fala que ouviu “ei”, “aí” ou “vai”…

É porque no dia eu estava muito nervosa, chorando. Ele morreu na sexta-feira (10.9.2004) e o depoimento foi às 7 horas da manhã do sábado, no dia seguinte. Eu estava muito nervosa, chorando. Pra mim, eu ouvi uma explosão. Eu cheguei na casa dele dizendo que tinha escutado uma explosão. Então, eu não sabia se ele havia gritado: “aí” de dor ou se gritou “ei”. Hoje eu sei que ele gritou “ei”. Tipo assim, como alguém que vai entrando e tu diz “ei, não entra não”. Tipo uma invasão. É o que pareceu.

Alguém teria chegado lá?

É. Alguém teria entrado e ele queria barrar a entrada daquela pessoa.

Não seria o R. Mendonça, o outro soldado de serviço no posto 14?

Eu acho que o R. Mendonça não estava com ele por dois motivos. Não escutei nenhuma voz próxima ao Fontenele. Se ele estava reclamando que alguém estava ligando pra ele, enchendo o saco dele, poderia ter comentado com quem estivesse ao lado, perto. “Ei, tão ligando aqui e eu não estou ouvindo nada”, comentaria. Provavelmente, ele estava sozinho lá dentro. Eu não escutei barulho nenhum de uma pessoa em volta.

O corpo do Fontenele tinha uma marca nas costas, supostamente de uma pancada. O laudo do IML atesta isso, mas não traz detalhes sobre o hematoma. Um dia antes de morrer, ele se queixou de algum de algum acidente. Você o viu sem camisa?

Eu o vi sem camisa, na quarta-feira (9.9.2004), e não vi a porrada. Ele viajou na segunda-feira para São Paulo, pela Base Aérea. Disse que ia fazer um serviço.

Ele disse o que foi fazer?

Viajou em um avião da Base Aérea com a turma dele. Por causa disso, ele ganhou quatro dias de folga. Antes dele ganhar esses quatro dias eu acabei o namoro com ele. Ele trabalhava muito, dormia muito e eu queria sair. As nossa brigas eram por isso.

Ele viajou pela Base Aérea na segunda-feira que antecedeu a morte dele?

Não. Na segunda-feira da semana anterior. Passou dois dias com uma parte da turma em São Paulo e depois recebeu quatro dias de folga. Foram os quatro dias que ele ficou saindo sozinho, sem mim. Na quarta-feira a gente voltou a namorar. Ele foi lá em casa e disse que tinha feito uma carta pra mim, só que ficou na Base Aérea. Eu fui atrás das coisas deles e sumiu. Eu queria ver essa carta, poderia ser que ele dissesse alguma coisa. Ou não, seria outra carta de amor.

Depois que o telefone desligou, você não ligou mais pra lá?

Não. Já havia acontecido uma vez de ter ocorrido um barulho parecido com aquele e, depois, ele retornou dizendo que não era nada. Então no dia, fiquei nervosa, aguçou minha enxaqueca. Fui pra casa, tomei remédio e esperei a ligação dele. Acabei pegando no sono e às 11 horas da noite, o primo dele veio e me avisou que ele estava na UTI. Eu liguei para minha mãe e pedi que me levasse pra a casa do Peu. Quando cheguei na lá, estava todo mundo chorando. Eu disse: “gente, ele vai ficar bem, eu falei com ele às 18h15min”. Aí, as pessoas se admiraram e pediram que eu repetisse a informação na Base Aérea de Fortaleza. Lá, eles estavam dizendo que eles (Fontenele e R. Mendonça) haviam morrido às 15 horas.

Essa história que você me conta, não é criação ou fantasia motivada por um sentimento de perda?

Não, de jeito nenhum. No momento em que eu soube do acontecido estava emocionada, fragilizada. Hoje, com o passar do tempo, tenho outro sentimento e as coisas são mais claras.

Após o depoimento na Base Aérea, você recebeu algum telefonema ou informação?

Não. Conversei com algumas pessoas e um enfermeiro da Base que me disseram que as mortes eram uma coisa proibida de se falar lá dentro. Eles estavam com medo de tirar serviço no posto e alguns garotos estavam freqüentando o serviço de psiquiatria do hospital da Base.

O Fontenele era um cara briguento?

Não. A única briga, que eu saiba, aconteceu na Taíba. Um amigo comum da gente foi queimado numa brincadeira e ele tomou as dores. Discutiu com o outro colega e bateu nele. Mas depois fizeram as pazes, eram todos amigos e aquilo era coisa de farra, coisa de homem. No quartel, tiveram duas confusões. Lá, você tem de montar uma arma em um certo tempo. Alguém esqueceu um pedaço da pistola dentro do banheiro. Um cara, que não ia com a cara dele, entregou o material a um superior achando que era do Fontenele. Aí, ele viu que esse cara tinha um problema com ele. E o outro problema aconteceu durante uma brincadeira em que os colegas estavam jogando o boné (cobertura militar) desse mesmo soldado. Caiu nos pés do Fontenele e o cara disse que não gostava de brincadeiras com ele. O Peu nunca disse pra mim porque esse cara não gostava dele. Mas, ele era pacífico e detestava pegar em armas. O sonho do Fontenele era juntar parte do dinheiro que ganhava na Base para fazer um curso de enfermeiro, queria a área da saúde. Era um militar que não gostava de armas.


O POVO, por três ocasiões, entrou em contato com o comandante da Base Aérea de Fortaleza para falar sobre o assunto. O coronel-aviador Rogério Veras afirmou que não pode se pronunciar sobre o caso, já que o processo está na Auditoria Militar.