Leia a ação da OAB contra o fim da verticalização

O Conselho Federal da OAB entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra a aplicação do fim da verticalização das coligações partidárias já nas eleições de outubro de 2006. A ADI foi protocolada nesta quinta-feira (9/3), pelo secretário-geral adjunto Ercílio Bezerra de Castro Filho.

A OAB contesta a vigência imediata da Emenda Constitucional 52/06, que dá nova redação ao parágrafo 1º do artigo 17 da Constituição. Segundo a entidade, a Emenda viola o princípio da anualidade, estabelecido no artigo 16 da Constituição. Segundo o dispositivo, mudanças na legislação eleitoral só podem ser feitas com antecedência mínima do pleito.

Leia a íntegra da ADI

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, serviço público dotado de personalidade jurídica, regulamentado pela Lei 8906, com sede no Edifício da Ordem dos Advogados, Setor de Autarquias Sul, Quadra 05, desta Capital, por meio de seu Presidente (doc. 01), vem, nos termos do artigo 103, VII, da Constituição Federal, ajuizar ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de liminar, contra o artigo 2º da Emenda Constitucional nº 52, promulgada em 08 de março de 2006 (doc.02), cuja redação é a seguinte:

Emenda Constitucional nº 52

“Dá nova redação ao § 1º do art. 17 da Constituição Federal, para disciplinar as coligações eleitorais.”

“Art. 1º O § 1º do art. 17 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 17

§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem a obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em nível nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.

Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação, aplicando-se às eleições que ocorrerão no ano de 2002.”

O artigo 2º da Emenda Constitucional fustigada é inconstitucional por atentar contra o artigo 16 da Lei Fundamental, combinado com o artigo 60, § 4º, IV, também da Constituição Federal.

Prescreve o artigo 16 da CF:

“Art. 16 A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência.”

O artigo 2º da Emenda Constitucional nº 52, ao pretender que a alteração do processo eleitoral prevista por seu artigo 1º (com o fim da chamada verticalização) incida para as eleições de 2002, que já ocorreram, induz ao entendimento de que, para as eleições posteriores, dentre elas a de 2006, o novel plexo normativo de seu art. 1º tem plena incidência; isso sem a observância para a vindoura eleição da regra da anualidade imposta pelo artigo 16 da Constituição Federal.

O sentido e alcance do dispositivo impugnado, no que concerne à sua incidência para as próximas eleições – cuja realização se dará antes de um ano – é entendimento que deriva do sentido do texto normativo atacado. Essa, por sua vez, é a interpretação que os agentes do Poder Político vêm conferindo ao preceito. A propósito, na sessão solene da promulgação da Emenda impugnada, o Presidente do Congresso declarou taxativamente que alteração constitucional em debate aplicava-se às eleições deste ano.

A incidência da alteração do processo eleitoral preconizada pelo artigo 2º da Emenda Constitucional nº 52, para as eleições deste ano, porém, afronta o artigo 16 da Constituição, uma vez que naquele preceito restou fixada a inaplicabilidade de lei que altere o processo eleitoral “à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência”.

No sentido de lei, previsto no artigo 16 da CF, inclui-se também a emenda constitucional. Lei é termo de acepção ampla, é gênero. Agregado o termo a outro que lhe amplia a compreensão e lhe diminui a extensão surgem as várias espécies normativas: lei constitucional, lei complementar, lei ordinária etc, todas inseridas no conceito mais amplo de lei. Logo, é de se concluir que o artigo 16 veda a edição de emenda constitucional que tenha por escopo alterar o processo eleitoral sem observância do prazo de um ano nele estabelecido.

A par disso, é certo que a intenção do constituinte originário, quando introduziu a regra da anualidade, foi a de preservar a segurança do processo eleitoral, fundamental para o exercício e consolidação da democracia, de quaisquer alterações contingentes, sejam elas advindas de emendas constitucionais, de leis complementares ou ordinárias.

Pois bem. O atentado ao artigo 16 da Constituição Federal pelo comando normativo impugnado traz consigo a violência ao artigo 60, § 4º, IV da Lei Fundamental. Isso porque a ordem do artigo 2º da Emenda Constitucional 52 atenta contra o direito e a garantia individual da segurança jurídica, contidos no artigo 5ºda Constituição.

Em parecer da lavra da Professora Carmem Lúcia, integrante da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB, a eminente jurista bem ressaltou, quanto a alterações da legislação eleitoral sem observância do prazo constitucionalmente fixado que “as modificações no período” – no período de 12 meses que antecedem a abertura do processo – “agridem assim: a) à segurança jurídica do cidadão que não tem ciência das normas que prevalecem no processo; b) à segurança jurídica do interessado em se candidatar, que não sabe a que normas deve se submeter; c) à certeza dos órgãos judiciários que cuidam especificamente da legislação eleitoral, que pode se ver às voltas com novas normas para as quais haverão de emitir resoluções que as densifiquem e esclareçam a sua forma de aplicação.”

A segurança jurídica qualificada prevista no artigo 16 da CF insere-se no conceito mais abrangente de segurança do artigo 5º, caput. Trata-se de segurança jurídica, espécie do gênero segurança, especialmente tutelada (no art. 16) ante o fato regrado, qual seja, o meio de investidura no Poder Político. A circunstância de restar prescrita (essa segurança jurídica qualificada) em preceito não contido no Capítulo I do Título II da Constituição Federal não a afasta de seu campo de incidência (do campo de incidência dos direitos e garantias individuais, do campo de incidência do artigo 5º). A regra do artigo 16 é cláusula pétrea, intangível por força do artigo 60 da CF, seja ante a presença da garantia da segurança prevista no caput do artigo 5º, seja pela cláusula aberta do § 2º do referido preceito, a qual expressamente assevera que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e princípios por ela adotados”.

De fato, a impossibilidade de alteração do processo eleitoral nos 12 meses que antecedem sua abertura deriva do próprio princípio democrático de direito. A norma do artigo 16 – indiscutivelmente norma de segurança jurídica – consubstancia-se, como aponta Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2ª edição, Almedina, pág. 249, como subprincípio concretizador do princípio do Estado de Direito. Insere-se, desse modo, dentre as cláusulas pétreas também por força do § 2º do artigo 5º da CF, supra transcrito.

Na medida em que o artigo fustigado nesta ação direta de inconstitucionalidade agrediu o artigo 16 da Lei Fundamental, atingiu ele o artigo 60, § 4, IV da Constituição, tornando-se, desse modo sujeito ao controle de constitucionalidade, como já assentou o Supremo Tribunal Federal. Por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 939, pedido de liminar, o eminente Ministro Celso de Mello pontificou:

“É preciso não perder de perspectiva que as emendas constitucionais podem revelar-se incompatíveis, também elas, com o texto da Constituição a que aderem. Daí a sua plena sindicabilidade jurisdicional, especialmente em face do núcleo temático protegido pela cláusula de imutabilidade inscrita no art. 60, parágrafo 4º, da Carta Federal.

As denominadas cláusulas pétreas representam, na realidade, categorias normativas subordinantes que, achando-se pré-excluídas, por decisão da Assembléia Nacional Constituinte, do poder de reforma do Congresso Nacional, evidenciam-se como temas insuscetíveis de modificação pela via do poder constituinte derivado.

Emendas Constitucionais podem, assim, incidir, também elas, no vício da inconstitucionalidade, configurado este pela inobservância de limitações jurídicas superiormente estabelecidas no texto constitucional por deliberação do órgão exercente das funções constituintes primárias ou originais. (…)”

Assentada a inconstitucionalidade da norma impugnada, há de ser julgada inconstitucional.

Liminar

Impõe-se urgência na concessão de liminar, para o fim de afastar do ordenamento jurídico o comando fustigado no ponto em que manda aplicar alterações ao processo eleitoral, sem a observância do prazo de 12 meses previsto no artigo 16 da Constituição Federal.

O dispositivo, caso não seja imediatamente expurgado do ordenamento jurídico, viciará o processo eletivo vindouro, conspurcando as eleições.

Trata-se de perigo de dano da maior envergadura – que chega a atentar contra a própria democracia – que exige pronta atuação do guardião da Constituição.

Pedido

Por todo o exposto, pede o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil seja suspenso liminarmente o preceito impugnado (art. 2º da Emenda Constitucional nº 52) de forma a dele afastar a ordem nele contida de incidência imediata das alterações do processo eleitoral estabelecidas no artigo 1º da Emenda Constitucional nº 52 para as próximas eleições, conferindo-lhe eventual interpretação conforme a Constituição.

Pede, ao final, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil seja declarada a inconstitucionalidade do preceito impugnado (art. 2º da Emenda Constitucional nº 52) de forma a dele afastar a ordem nele contida de incidência imediata das alterações do processo eleitoral estabelecidas no artigo 1º da Emenda Constitucional nº 52 para as próximas eleições, conferindo-lhe eventual interpretação conforme a Constituição.

Requer a citação do Advogado-Geral da União, no SIG Sul, Q. 06, Lote 800, em Brasília, Distrito Federal.

Requer, ainda, seja oficiado o Presidente do Congresso Nacional para prestar informações no prazo legal.

Protesta pela produção de provas porventura admitidas (art. 9º, § 1º, da Lei 9.868).

Dá à causa o valor de mil reais.

Brasília, 08 de março de 2006.

Roberto Antonio Busato

Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil