Artigo: O meu Ministério é Público

Mesmo entre os seus críticos mais ácidos, a Constituição de 88 é enaltecida na parte em que transformou o Ministério Público em poderoso advogado da sociedade. Foi avanço inquestionável para o aperfeiçoamento das instituições criar uma agência pública para defender os direitos coletivos e o regime democrático.

Para que a sua atuação contra os abusos do poder político e econômico tenha lugar fora do alcance de represálias, a nova Ordem Constitucional investiu os promotores das mesmas prerrogativas com que blinda os magistrados: a vitaliciedade do cargo impede a sua demissão; a irredutibilidade de vencimentos, o corte de salário e a inamovibilidade, a transferência involuntária.

Com as novas funções e as prerrogativas para exercê-las, sobreveio também a vedação do exercício da advocacia. Entretanto, o Ato das Disposições Transitórias da Constituição ressalvou a quem já era membro do MP quando a Lei Maior foi promulgada o direito de manter o seu ministério privado, mesmo que advogasse contra a Fazenda que o remunerava. Em 1994, esta possibilidade foi afastada por lei, mas, até agora, não havia impedimento para que um promotor atuasse como advogado de réus de ações movidas pelo próprio MP.

O controle externo do Judiciário, implementado pela Emenda Constitucional n 45/04, respondeu ao anseio da sociedade por transparência das relações internas do Poder Judiciário, mas estendeu-se ainda ao Ministério Público. Com a instalação do Conselho Nacional do Ministério Público, colegiado responsável pela fiscalização administrativa e funcional do Parquet brasileiro, sua atuação tem sido relevante para resolver pendências que passavam despercebidas.

Uma das mais recentes medidas adotadas pelo Conselho Nacional do Ministério Público foi determinar que, além de impedimentos e vedações previstos na legislação que regula o exercício da advocacia pelos membros do MP, estes não poderão atuar nas causas em que esteja prevista a presença do Ministério Público dos estados e da União.

Recentemente, a assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal divulgou que subprocurador-geral da República que advoga havia impetrado mandado de segurança contra a resolução, sob a alegação de que o ato seria inconstitucional porque, abordando impedimentos e vedações ao exercício de advocacia por membros do Ministério Público, “ofende os princípios constitucionais da legalidade, do devido processo legal e da liberdade do exercício profissional”.

A premissa que escora a pretensão é, de fato, semelhante à que justificou a ressalva do Ato das Disposições Transitórias da Constituição, permitindo ao membro que tivesse ingressado na carreira antes da promulgação do novo texto continuar a exercer a advocacia. Porém, o feitio constitucional do MP pós-88 é visceralmente incompatível com a possibilidade de membro do MP ser titular de banca de advocacia, pois o poder do cargo público poderia ser facilmente manipulado para render vantagem patrimonial indevida.

O impedimento sem ressalvas não violaria direito adquirido porque não é o cargo público que tem de se adaptar às necessidades da pessoa do seu ocupante, mas, com certeza, o inverso. Logo, o profissional que tencionasse permanecer advogando após a alteração constitucional das funções ministeriais teria, em homenagem à lógica e ao bom senso, de fazer a escolha pela exoneração do cargo.

A resolução aprovada pelo CNMP é bem mais tímida, limitando-se a impedir a advocacia de causas “em que esteja prevista a presença do Ministério Público dos Estados e da União”. É o mínimo que se pode esperar para evitar a prática comum de tráfico de influência, agregando valor ao serviço do advogado que compartilha a carreira do seu ex-adverso.

Rodrigo Terra, promotor de justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro