Artigo: o Ministério Público, a investigação criminal e o relacionamento com a Polícia
Leia a seguir artigo do presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), José Carlos Cosenzo, em que rebate a artigo pulicado no site Conjur, de autoria do delegado da Polícia Federal Renato Halfen da Porciúncula.
No artigo, o delegado afirma que o Ministério Público “resolveram fechar o Congresso Nacional, achincalhar e debochar do Supremo Tribunal Federal”.
O Ministério Público, a investigação criminal e o relacionamento com a Polícia
Desde que se tem notícia da organização administrativa e institucional no Brasil, alguns integrantes de carreiras públicas, muitos deles absolutamente descompromissados com o resultado social, pugnam pelo confronto entre elas, como se a disputa pela qualidade do trabalho interno ficasse restrita às ilações cerebrinas.
Pode-se dizer que é uma porçãozinha, pequenas porções, ou porciúncula.
Não é atual, também, a discussão acerca do poder investigatório do Ministério Público, contestado por parte da polícia judiciária. Todavia, antes se de adentrar a uma discussão meramente acadêmica, com destaques de relevância localizada, corporativa até, é oportuno consignar que o Ministério Público, na condição de titular da ação penal pública (CF, art. 129, I), não é um mero espectador da investigação a cargo da autoridade policial, podendo, por isso, não só requisitar diligências, como realizá-las diretamente, quando elas se mostrem necessárias. Mesmo porque, doutrina e jurisprudência entende que o inquérito policial é um instrumento facultativo e dispensável para o exercício do direito de ação.
Se levarmos em conta que a Carta Magna atribuiu ao MP o poder de expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva (art. 129, VI), fica claro que essa competência abrange tanto a esfera cível quanto a criminal. Conjugue-se que também, que o Ministério Público recebeu, de forma ampla, o controle externo da atividade policial (art. 129, VII), além de dispor que cabe ao Parquet requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, e que tal sistema visa a fornecer ao Ministério Público autonomia para aprofundar a apuração dos fatos necessários ao oferecimento da denúncia, por meio inclusive da expedição de notificações para a coleta de depoimentos e que não há conflito entre as normas constitucionais indicadas, e o que dispõe o art. 144 da Carta, tanto porque tais normas têm caráter principiológico, como porque o art. 144 não conferiu exclusividade à Polícia no que diz respeito à investigação de infrações penais, além do que, outras normas constitucionais fundamentam a atribuição dessa competência ao Ministério Público. De se ver: o art. 127, caput, que impõe ao Parquet a defesa da ordem jurídica e dos interesses individuais indisponíveis; o art. 129, II, que conferiu ao Ministério Público o dever de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; o art. 129, IX, que admite que o Ministério Público exerça outras funções compatíveis com sua finalidade; o art. 144, caput, que indica a segurança pública como dever do Estado e direito e responsabilidade de todos; e os arts. 1º, 3º e 5º, que cuidam dos direitos fundamentais, da dignidade humana e da cidadania, já que a persecução penal rápida e eficiente é exigida por esses bens constitucionais.
No âmbito da ordem infraconstitucional, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625 de 1993), em seu art. 26, I, “a” e “b”, prevê a expedição de notificações para colher depoimento ou esclarecimentos, bem como a requisição de informações, exames periciais e documentos de autoridades e órgãos públicos.
Em homenagem à oportunidade, merece ser elencado que a investigação pelo Ministério Público tem um caráter subsidiário e será empregada apenas quando for necessário, de modo que a competência da Polícia não é subtraída.
De todo modo, o sistema pelo qual se atribui com exclusividade à polícia a investigação criminal, reservando-se ao Ministério Público a função de mero repassador de provas, é anacrônico e contraproducente. A atuação direta do Ministério Público nesse particular pode conferir maior celeridade à atividade investigatória, permitindo ademais o contato pessoal do agente do Parquet com a prova e facilitando a formação da opinio delicti.
Além disso, diversas situações recomendam a intervenção do Ministério Público por sua independência em relação aos Poderes estatais, pois não é raro apurar-se o envolvimento de policiais em episódios de corrupção ou mesmo com o crime organizado, ou com freqüência os abusos praticados contra os cidadãos.
As singelas argumentações, com a devida vênia, colocam por terra qualquer afirmação de que a investigação criminal foi reservada, pela Constituição Federal, à Polícia Judiciária (Polícia Civil estadual e Polícia Federal), sendo ilegítimo e inconstitucional o desempenho de tal atividade pelos membros do Ministério Público, que assim agindo estariam usurpando atribuição que não lhes foi deferida. Aliás, tais posições se encontram alinhadas em parecer da lavra do eminente jurista Luis Roberto Barroso, em janeiro de 2004, por solicitação do então Ministro Nilmário Miranda, Secretário Especial dos Direitos Humanos.
Tais considerações, a meu ver, mereciam ser sido feitas, antes de reiterar um parágrafo já alinhado acima: “a investigação pelo Ministério Público tem um caráter subsidiário e será empregada apenas quando for necessário, de modo que a competência da Polícia não é subtraída”.
Este, por si só, já evidencia a inexistência de qualquer sentido beligerante por parte do Ministério Público, que nunca almejou a presidência do inquérito policial e muito menos pretendeu alijar a Polícia Judiciária de tão relevante função, mas enxerga, assim como toda a sociedade brasileira, a necessidade, subsidiariamente, de deter o poder investigatório.
A importância social dessa atividade, que transcende a simples olhadela, deveria servir de orgulho para ambas as instituições, que recebem da mesma fonte e tem como desiderato servir a sociedade brasileira. O gesto de mãos abertas, que deve ser perene, é o melhor caminho a ser seguido por entidades e instituições que representam agentes públicos, cujos interesses comuns superam, e muito, as reduzidas divergências, porciúnculas, quase nada.
Por isso, ficaram estarrecidos os membros do Ministério Público, bem como a quase totalidade dos integrantes da Polícia Judiciária, com o título do artigo publicado no Conjur, em 3 de janeiro pretérito: “Ministério Público fecha Congresso e debocha do STF”, escrito, ao que consta, por um Delegado Federal. Exceto pelo título polêmico, mas vazio de conteúdo, inoportuno e desprezível na forma, e pelas infamantes inverdades contidas contra os membros do Ministério Público brasileiro, transcende dali a vontade inequívoca do autor em buscar uma luta fratricida entre os integrantes das duas carreiras. Certamente ficará frustrado, pois a responsabilidade que deve pautar o relacionamento da Polícia Judiciária com o Ministério Público – e aqui se leia a lealdade das entidades representativas de classe-, não poderá ser afetada por idéias menores, pois o mais importante da vida não é a situação em que estamos, mas a direção para a qual nos movemos.
Por derradeiro, não sei se é o caso, mas na maioria das vezes as agressões têm origem daqueles de se encontram confortavelmente instalados em gabinetes, assessorando, e tem tempo disponível para escrever, sem antes se informar. Se o autor tivesse o mínimo de prudência para conhecer a opinião interna, saberia que Federação Nacional dos Policiais Federais – FENAPEF – entidade que congrega 27 sindicatos estaduais e do DF, representando mais de 12 mil servidores de todas as categorias funcionais do Departamento de Policia Federal, reunida em assembléia extraordinária realizada em Brasília no dia 30 de junho de 2004 ano, por decisão unânime do seu Conselho de Representantes, aprovou MOÇÃO DE APOIO às atribuições investigatórias do Ministério Público.
Longe das idéias da “porçãozinha” beligerante – que existe em todas, rigorosamente em todas Instituições – aquela entidade representativa, ao emitir a nota em questão, dá uma lição de respeito, humildade e espírito de servir, sustentando que “acima de vaidades, monopólios e estrelismos deve estar sempre, o cidadão, que espera da Polícia e do Ministério Público eficiência e competência, para, lado a lado, atuarem na busca de Justiça”. Trata-se de significativa porção. É o quantis satis.