Promotora Iertes Gondim discorre sobre a polêmica acerca dos abortos de fetos com malformações

A reflexão sobre o Direito fundamental a vida, encontra-se atualmente em discussão no STF por meio da argüição de descumprimento de preceito fundamental nr. 54. Entendemos à semelhança do Ministro-Relator, Marco Aurélio, e deste conceituado jornal que elegeu como Assunto da Semana, o tema relativo à vida, que por sua importância, não poderá habitar apenas a ante-sala daquele Sodalício, artigo veiculada no caderno Opinião. O assunto de natureza complexa e polêmica, nos motivou a um estudo mais aprofundado, objeto de algumas palestras já proferidas para Operadores do Direito inclusive em outro estado da Federação.

Para entender melhor o assunto importante uma breve retrospectiva. No mês de julho de 2004, o Ministro Marco Aurélio concedeu liminar na Ação ajuizada pela Confederação Nacional Dos Trabalhadores Na Saúde-CNTS, autorizando gestantes a submeter-se à operação terapêutica de parto(aborto) de fetos anencefálicos. Três meses depois o Tribunal por maioria decidiu pela cassação da liminar, e pelo sobrestamento dos processos e decisões não transitadas em julgado. O Ministro Relator acatando requerimento do Ministério Público Federal determinou designação de audiência pública para ouvir instituições cujos requerimentos para integrar a lide foram indeferidos. Os votos vencidos da Ministra Ellen Gracie, e dos Ministros Eros Grau, Cezar Peluso e Carlos Velloso, que votaram pela inadmissibilidade da ação em face da inadequação da via eleita para alcançar a pretensão, fundaram-se no fato de que o Poder Judiciário não pode ser manejado como atalho para usurpar uma função tipicamente legislativa, qual seja determinar a inclusão de um terceiro inciso no art. 128 do CPB, cuja redação coincidiria com o projeto de regulamentação do aborto eugênico, acrescentando o inciso III no art. 128 do Código Penal Brasileiro, cuja redação passaria a ser: “Art. 128. Não constitui crime o aborto praticado por médico se:…III- há fundada probabilidade, atestada por dois outros médicos, de o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais.” O conhecimento aprofundado da matéria, seja no aspecto científico seja no jurídico faz-se imprescindível por tratar a matéria de direito fundamental à vida, o primeiro de todos os direitos, a espinha dorsal donde se ramificam todos os demais direitos assegurados como fundamentais na Constituição da República Federativa do Brasil.

Sem a pretensão de esgotar o debate sobre o relevante tema, entendemos que ninguém, jamais pode negar o desejo de que todas as crianças nasçam saudáveis e perfeitas. Ninguém pode também menosprezar a aflição e as dificuldades dos pais de crianças malformadas. No entanto, isso por mais pungente que seja não autoriza ninguém, muito menos os que não vivem esse sofrimento, a retirar desses seres o direito à vida. O ser humano não pode ser julgado, na avaliação de sua existência, pela plenitude de vida e independência sócio-econômica, nem muito menos pelo fulgor de uma inteligência privilegiada ou pela formosura de seus traços físicos, porque ele não foi proposto para torneios e disputas, mas para realizar o destino da criatura humana.

Artigo publicado no jornal O Povo