40% dos jovens infratores são soltos sem julgamento

Um adolescente de 17 anos foi apreendido no último domingo (4), na Praia do Futuro, acusado de homicídio. A chance de que ele não seja julgado e fique em liberdade logo após o término do prazo legal de 45 dias de internação provisória é de 40%. Levantamento feito nos três centros educacionais mantidos pelo Governo do Estado (São Miguel, São Francisco e o Patativa do Assaré) em 2006 revela que, dos 2.652 procedimentos legais feitos contra crianças e adolescentes, 1.091, ou cerca de 40% dos casos, deixaram de ser julgados dentro do prazo de 45 dias.

O promotor de justiça do programa Justiça Já (que recebe crianças e adolescentes flagrados cometendo atos infracionais e os encaminham à Justiça), Odilon Silveira, denuncia que o objetivo do programa, que é o de acelerar os processos judiciais, não está sendo cumprido. “O sistema de Justiça da Infância e da Juventude está falido. A situação está caótica”, alerta.

Silveira descreve como ocorre o processo, depois da apreensão: “O adolescente chega até o Justiça Já e nós pedimos a internação. Se aceito, o jovem é encaminhado a um centro educacional, enquanto o processo dele é distribuído em uma das quatro Varas da Infância e da Juventude para que uma primeira audiência seja marcada. O problema é que essa primeira audiência demora muito, chegando, muitas vezes, a ultrapassar o prazo dos 45 dias. Quando isso acontece, ele tem de ser solto sem ser julgado”.

O juiz da 5ª Vara da Infância e da Juventude, Francisco Darival Beserra, fornece um diagnóstico semelhante. O magistrado afirma que, depois de liberados, fica difícil localizar e julgar os adolescentes infratores. “A medida sócio-educativa deve ser aplicada de modo rápido para o adolescente, pois ele é um ser em formação. A sentença tardia não é cumprida, é recebida com mais revolta e não consegue recuperar o jovem. Se você demora a aplicar a lei, você perde a última oportunidade de salvar o adolescente”.

Uma das causas da lentidão no processo, segundo Odilon Silveira, é a falta de defensores públicos no programa Justiça Já. Com um defensor público trabalhando na mesma unidade, o promotor afirma que o procedimento passará a ser feito de modo mais ágil, uma vez que a primeira fase, da audiência de apresentação com o juiz de Direito, poderia ser feita no próprio Centro de Triagem.

A solução é compartilhada por Darival Beserra. “Com a primeira audiência feita logo no Centro de Triagem, o defensor público encaminha a defesa prévia em três dias e o juiz já pode marcar uma audiência de instrução e proferir a sentença”. O juiz afirma que depois que isso for feito, caberá às Varas dar mais agilidade ao julgamento dos processos.

“O próprio desembargador Rômulo Moreira de Deus (atual diretor do Fórum Clóvis Beviláqua) quer acompanhar o andamento dos processos nas Varas da Infância e da Juventude. Essa é uma preocupação dele desde que assumiu o Fórum”, afirma.

Impunidade e reincidência

A equação “justiça lenta + impunidade = reincidência” é bastante conhecida. E parece que desde cedo, muitos jovens a aprendem na prática. O promotor de justiça Odilon Silveira estima que a taxa de reincidência entre adolescentes atendidos no Justiça Já seja de 60%. Isso significa dizer que dos 2.652 adolescentes que foram internados provisoriamente em 2006, cerca de 1.590 já haviam sido internados antes. O adolescente de 17 anos citado na matéria é um bom exemplo: ele já havia sido apreendido uma vez por roubo à mão armada.

A demora no andamento dos processos faz com que a internação termine sem que alguma medida sócio-educativa seja aplicada ao jovem infrator, afirma o promotor. Esse mecanismo acaba reforçando a sensação de impunidade. Além disso, acrescenta, o tempo que o jovem passa nos centros educacionais é muito pouco para um trabalho verdadeiramente educativo.

“Não é bom que o jovem seja liberado antes dos 45 dias, pois esse tempo não permite que seja realizado algum trabalho educacional. Isso dá uma sensação de impunidade ao jovem, estimulando o aumento da violência. Ele acaba achando que já cumpriu a medida”, afirma.

Segundo Silveira, a violência cometida pelos adolescentes não pode mais ser explicada apenas como uma questão social ou como provocada por grupos específicos de jovens, como os de periferia. Ele relata a existência de casos de jovens vindos de classe média e que têm famílias estruturadas mas que, mesmo assim, praticam atos infracionais cada vez mais graves (ver quadro).

A reincidência da prática criminosa na juventude persiste na idade adulta. Essa é a análise feita pelo juiz Darival Beserra. Segundo ele, 70% do sistema carcerário, atualmente, é formado por jovens entre 18 e 25 anos que não foram ressocializados pela sociedade e pelo poder público. Para o magistrado, a responsabilidade por essa situação deve ser dividida entre o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Secretaria da Ação Social (SAS) e a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). “Todos nós somos infratores. Todos temos culpa e temos de nos redimir, sob pena do extermínio da juventude”.

Atos infracionais cometidos por adolescentes em 2006

Latrocínio 60
Homicídio 146
Roubo 779
Roubo qualificado* 650

Fonte: Levantamento feito nos três centros educacionais mantidos pelo Governo do Estado: São Miguel, São Francisco e Patativa do Assaré. O último deixou de receber internações provisórias desde junho de 2006. *Quando o crime é cometido com arma de fogo, se conta com o auxílio de duas ou mais pessoas ou quando a vítima é privada de sua liberdade.