Apesar de realizar mais concursos, Estado ainda tem cerca de 200 vagas ociosas, aponta Diagnóstico

Em todo o Estado do Ceará, apenas 32% das 172 comarcas existentes são atendidas por defensores públicos. O déficit de 68% é maior que o índice nacional no qual 60,03% das comarcas brasileiras esperam ser preenchidas por defensores. Esse dado faz parte do 2º Diagnóstico da Defensoria Pública do Brasil, que foi apresentado ao público cearense nesta sexta-feira (9), no Palácio de Iracema, em Fortaleza, com a presença do secretário da Reforma do Judiciário, Pierpaolo Cruz Bottini.

O relatório da Secretaria da Reforma do Judiciário (SRJ) aponta queda no número de defensores ativos. Em 2003, havia 157 profissionais, cada um com um público alvo de 32.545 pessoas. Em 2005, esse número caiu para 145 defensores na ativa com 41.096 destinatários potenciais para cada. A média brasileira é de um defensor público para cada 83.222 potenciais destinatários do serviço público.

Cada defensor foi responsável por 832,2 atendimentos, 24.216 ações e 23.369 audiências. Mesmo com esse número elevado, o Ceará ainda é o 16º em atendimentos por defensor. Bahia lidera o ranking com 4.604,4 atendimentos por defensor, seguida por Mato Grosso (2.667,7) e Rio de Janeiro (2.572,1).

Defensor geral menciona avanços

Para o defensor público geral do Estado, Luciano Simões Hortêncio de Medeiros, apesar do grande número de cargos não preenchidos, houve uma evolução. “Antes, em 2005, estávamos em 22 comarcas. Agora existem defensores em 84. Em 2005, era um defensor para 41 mil cearenses. Atualmente, esta relação diminuiu e é de um para 21.107”, comemora.

Mas, apesar das 203 vagas em aberto, o próximo concurso só poderia se limitar a 62 vagas. “Não podemos comportar todos ao mesmo tempo. O defensor só pode crescer se for por promoção ou antiguidade. Você começa como substituto para poder passar a ser de primeira instância, segunda, terceira ou especial”, explica Medeiros. Ele ressalta, entretanto, que por causa da necessidade de profissionais nos maiores municípios, estes cargos mais elevados acabam sendo preenchidos temporariamente por substitutos.

Segundo Medeiros, apesar de haver um equilíbrio na hora da divisão dos defensores, algumas áreas apresentam números três vezes inferior ao ideal. “No sistema penitenciário precisaríamos de mais 15 defensores, mas só temos cinco para todas as unidades prisionais. Já dos 20 juizados especiais de Fortaleza, apenas 10 possuem defensores públicos”, completa.

“Pode ser muito pior”

“Na verdade, esse quadro pode ser muito pior porque os relatórios de atendimento terminam por ser apenas uma projeção. Não há condições de manter um registro de todas as pessoas que atendemos em um dia”, relata a advogada Mariella Pittari, 22 anos, defensora pública da comarca de Juazeiro do Norte. Mariella assumiu no último concurso realizado no Estado, em setembro de 2006, e responde pela 2ª e 5ª Vara. “Cada defensor aqui acompanha mais de dois mil processos. As pessoas lhe abordam no corredor, na entrada do Fórum, voltam quatro ou cinco vezes para tirar dúvidas”, exemplifica.

O Diagnóstico também apontou que o Estado manteve a 9ª posição em relação ao reajuste no orçamento destinado à atividade, que passou de R$ 9.208.202,00 em 2003 para 11.357.772,00 em 2005. O Rio de Janeiro, com R$ 118.865.529,00 destinados para a Defensoria Pública é o Estado brasileiro que mais investe na atividade. As despesas referentes à Defensoria representaram 0,24% das despesas totais dos Estados. “Como você vai falar em Estado democrático e acesso à justiça se não há defensores para a maioria esmagadora da população?”, questiona Francilene Gomes, presidente da Associação de Defensores Públicos do Estado do Ceará (ADPEC).

“Não estamos falando só em abrir concursos, os defensores que assumiram cargos no Ceará em setembro de 2006 só foram receber seus computadores na segunda quinzena de janeiro. Não há estrutura de trabalho alguma”, continua Francilene Gomes.

“Concursos não são suficientes”

O Diagnóstico revela que o número de concursos públicos para o cargo de defensor dobrou nos últimos anos. De 1998 a 2004, eram realizados 3,9 concursos públicos por ano e, em 2005, foram realizados 8 seleções, sendo dois deles no Estado do Ceará.

Bheron Rocha, 31 anos, defensor público da comarca de Baturité, reafirma que a realização de concursos não é o único passo: “Dos 59 advogados aprovados no último concurso, eu conheço cinco que desistiram e outros dez que nunca assumiram”. O advogado lembra que a Defensoria é definida, juntamente com o Ministério Público e a Magistatura, como uma função essencial à Justiça: “Essas três funções juntas dão condições da Justiça acontecer. Por que então a Defensoria não possui o mesmo investimento?”, questiona ele.

O quadro nacional revelado pelo Diagnóstico da Defensoria Pública dispõe de 1,48 defensor para cada grupo de 100 mil habitantes enquanto que, para esse mesmo grupo, há 7,7 juízes e 4,22 membros do Ministério Público. Os Estados gastam, em média, R$ 85,80 por habitante com as instituições do Sistema de Justiça: 71,3% são destinados ao Poder Judiciário; 25,4% ao Ministério Público e 3,3% do total é gasto com a Defensoria Pública, serviço destinado a 70,86% da população total do País.

“Você tem que mensurar a gravidade da existência desse número de comarcas sem defensores. Quando as pessoas ficam doentes, elas sabem que podem recorrer a um hospital. As condições podem não ser as ideais, mas a estrutura existe. Imagine a angústia de uma pessoa que tem um problema jurídico e não tem ninguém que a ajude?”, avalia o advogado Reno Ximenes.

Relação com o IDH

“Os parâmetros utilizados foram importantes porque revelam uma situação em que os Estados de menor IDH são justamente os que têm serviço mais precário de Defensoria”, avalia a presidente da Associação dos Defensores Públicos do Ceará, Francilene Gomes. Segundo a advogada, o mapeamento pode ser uma ferramenta de compartilhamento de experiências.

“Você vê um Estado como o Piauí, um dos mais pobres do Nordeste, conseguindo equiparar salários de juízes, promotores e defensores. Prova que é uma realidade ao nosso alcance”.