Pouco mudou em uma década no Ceará, revela reportagem do jornal O Povo. Carência contrasta com interiorização da violência
Mais de 2,4 milhões de cearenses, em 131 municípios, não dispõem de delegacia em sua cidade. Em um Estado que tem 8 milhões de habitantes isso representa 30% da população e 70% dos municípios.
Embora as unidades policiais cumpram a função de atender ocorrências, os registros dos Boletins de Ocorrência (BOs) continuam sendo uma prerrogativa das delegacias. A quantidade delas pode ser fundamental na qualidade do atendimento.
Dois exemplos. Na Regional de Russas, distante 162 quilômetros da Capital, a proporção é de cinco delegacias para nove cidades. Na Regional de Jaguaribe, a 295 quilômetros de Fortaleza, por sua vez, há apenas uma delegacia para atender oito municípios.
Em Jaguaribe, todo o procedimento policial é levado para a regional, de acordo com um policial que pede para não ser identificado por medo de represálias. Para atender a procura dos mais de 100 mil moradores da área, duas equipes formadas por quatro pessoas (um delegado, um escrivão e dois inspetores) se revezam no trabalho policial. Eles trabalham sete dias consecutivos e folgam outros sete. “É uma sobrecarga, mas a gente faz o que pode”, disse.
A extinção de delegacias no Interior ocorreu na gestão do então secretário da Segurança Pública, Edgar Fuques, época em que houve uma grande reforma administrativa no Estado. A grande maioria das delegacias municipais perdeu seu status e tornaram-se unidades policiais chefiadas por um inspetor da Polícia Civil ou por um policial militar.
Nas cidades maiores, foram criadas as delegacias regionais, responsáveis pelo atendimento dos municípios vizinhos. Desde então, três governadores se alternaram no poder e a situação pouco se alterou.
A ausência do poder público contrasta com o fenômeno da interiorização da violência. Os oito municípios considerados mais violentos do Estado, de acordo com levantamento da Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, Ciência e Cultura (OEI), estão no interior.
Três destas localidades – Ibicuitinga (índice de 41,3 homicídios por 100 mil hab), Jaguaretama (31,2 por 100 mil hab) e Capistrano (30,2 por 100 mil hab) – não possuem delegacias.
Em Mombaça, reconhecido como o município com maior índice de homicídios pela pesquisa, disputas entre famílias e crimes de pistolagem são as manifestações mais comuns da violência.
De 10 anos para cá
O Estado tem seis delegacias municipais e uma delegacia regional a mais que em 1997. Em 5 de outubro daquele ano, existiam 40 delegacias de Polícia. Em reportagem, o jornal O Povo ilustrava as drásticas mudanças ocorridas no policiamento do Interior. Entre 1995 e 1997, 135 delegacias municipais haviam sido extintas.
Nos dez anos que separam a reportagem de 5 de outubro de 1997 até agora, algumas delegacias foram criadas e outras desativadas. As de Pacoti (11.448 hab.) e Lavras da Mangabeira (31.486 hab.) foram transformadas em unidades policiais. Em contrapartida, São Gonçalo do Amarante (39.569 hab.), São João do Jaguaribe (9.046 hab.) e Guaramiranga (5.978 hab.) passaram a contar com delegacias.
Esse não é o caso de cidades com grandes populações como Granja (52.859 hab.), Viçosa do Ceará (48.285 hab.), Pedra Branca (41.959 hab.) e Várzea Alegre (37.045 hab.) que têm apenas unidades policiais.