Artigo de opinião: A cultura da cobrança
De Ricardo Memória, promotor de Justiça.
A banalização da cobrança em face da prestação de serviços públicos tornou-se algo perniciosamente habitual. Hoje a máquina estatal mais parece um banco. Cobra por tudo. É inaceitável que a caríssima estrutura da Administração Pública, assim considerada nos níveis federal, estadual e municipal, não tenha condições de prestar um serviço adequado sem que seja necessário exigir das pessoas emolumentos e tributos de toda sorte.
Observe: se você se aventura a economizar e põe gás natural no veículo, haverá de arcar com o pagamento de valores irreais, cobrados por empresas particulares que prestam serviço terceirizado.
Se alguém opta por sobreviver à custa do transporte escolar também terá de pagar algo em torno de noventa reais, só a título de inspeção anual. Se necessitar ir ao banheiro da Rodoviária, paga, mesmo que já tenha recolhido a taxa de embarque. Se o seu filho pretende fazer exame para uma das casas de culturas da UFC terá de pagar cinqüenta reais pela inscrição. Se pedir revisão de prova também paga. E, por fim, aprovado enfrentará o custeio da matrícula.
É de indagar: como fica a situação de quem necessita trabalhar ou estudar, mas tem diante de si a barreira intransponível anteposta pelo próprio Estado? Esses paradigmas prestam-se a demonstrar que o Estado ao mesmo tempo em que se afasta das suas tarefas peculiares lança contra a população cobranças por serviços que deveriam ser realizados a seu próprio custo. E não se argumente que o serviço exige um pagamento respectivo, pois a população já realiza a contraprestação através do recolhimento de um sem número de tributos.
Veja que na prática o Estado há muito privatizou a saúde – em detrimento dos pobres, mas em favor dos planos de saúde. Não existem UTIs em número suficiente para atender à população, mas com certeza a CPMF não será dispensada.
É a cultura da cobrança, quase sempre ilegal e perniciosa ao interesse coletivo; retrato fiel de um Estado perdulário, ineficiente e desleal para com a população.