Artigo: Violência

Em artigo para o jornal Diário do Nordeste, o promotor de Justiça Ricardo Memória relaciona a atual insegurança do Brasil ao período militar. Confira o texto:

Mais uma vítima inocente tombou diante da violência que tanto nos constrange. Não a conheci, mas lastimei profundamente a sua morte. A sociedade está irrequieta, atônita e acuada, amedrontada, mas também deseja vingança. Põem a culpa na Polícia. Para alguns, os adolescentes infratores devem ser levados às masmorras o quanto antes.

A falta de presídios – sustentam outros – seria a culpa de tanta maldade solta, a cometer delitos em desairosa profusão. Não penso assim. Também não culpo a Polícia. A violência não é de hoje. A sua gênese está na ingenuidade bruta e arrogante dos coturnos e na subserviência paisana dos anos sessenta. Vem do ufanismo de uma República milagreira, estóica combatente dos comunistas que ´comiam´ criancinhas. A República madrasta dos pobres, mãe gentil e dedicada do capital, madrinha jeitosa de quem votou em troca de favores ou sob a opressão do porrete. Esse foi o útero da violência brasileira, fecundada e parida nos anos dourados das baionetas. Abandonados pelo Estado, os desvalidos não tiveram outro rumo a seguir senão a marginalidade, dando seqüência a um atavismo perverso que até hoje perdura.

A corrupção não perdeu tempo e foi se acomodando silenciosa nas instituições. No final dos anos setenta, o jovem advogado Djalma Pinto rascunhava o que viria a ser uma das primeiras obras sobre a violência urbana. Os escritos transformaram-se em livro, pequeno em volume, mas imenso em conteúdo. O título, Meditações Sobre a Violência, retratava a inquietação de um homem preocupado com o futuro. Abordou a violência sob vários aspectos, tratou, dentre outros temas, da fome, da ausência do Estado, do abandono das crianças e do controle voluntário da natalidade. Um livro extremamente ousado para a época.

Entretanto, as gandolas delirantes e os paisanos subservientes permaneceram surdos e cegos, criaram uma República militar e não cuidaram do seu povo. Os pais da violência estão no passado, mas cabe a nós e aos paisanos de hoje a tarefa de mitigar os efeitos desse triste legado que atesta a nossa falência social, nos amedronta e nos envergonha.