Valor Econômico diz que parecer aprovado na CCJ foi corporativista Editorial do jornal Valor Econômico, publicado na edição dessa quarta-feira (12/12), destaca que, se aprovado projeto de decreto legislativo de Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), a polícia será a única instituição do país sem controle interno. Leia o texto

O poder assustador do lobby policial no Congresso

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, no dia 5, por 38 votos a favor e nove contrários, a admissibilidade de um projeto de decreto legislativo de autoria do deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), ex-policial federal e ex-secretário de Segurança Pública do Rio, que, na prática, impede o controle externo do Ministério Público sobre as polícias. “Só a polícia investiga a polícia: essa é a síntese da decisão”, protestou o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), voto vencido na CCJ. Está em tramitação na CCJ do Senado, em caráter terminativo, projeto de lei que aumenta as penas para os crimes de homicídio e de ameaças contra policiais.

A bancada policial do Congresso, cada vez maior, está dando mostras de raro vigor. Num final de ano, nas duas casas legislativas, consegue desenhar o perfil de instituição que os parlamentares-policiais almejam: polícias que apenas podem ser investigadas por elas próprias, isto é, que se protegem contra denúncias de abuso policial, ao mesmo tempo em que são protegidas por penas maiores contra a agressão externa do que as impostas a crimes contra o cidadão comum.

Se o Senado aprovar o projeto, como acena, a vida do policial passará a valer mais do que a vida do brasileiro “civil”. Se o projeto de decreto legislativo for aprovado pelo plenário da Câmara, e depois pelo plenário do Senado, a polícia passará a ser a única instituição no país sem qualquer controle externo.

Dos 38 deputados que aprovaram, na CCJ da Câmara, o projeto de conteúdo altamente corporativista, 34,21% são ou foram alvo do Ministério Público e 34,21% são policiais, segundo levantamento feito pela Folha de S. Paulo no site Transparência Brasil. Somente a soma desses dois grupos já denuncia o caráter de retaliação que teve a decisão. O projeto de decreto legislativo foi apresentado para derrubar a regulamentação feita pelo Conselho Nacional do Ministério Público (Conamp) para a investigação das instituições policiais pelo MP.

O argumento do parlamentar foi o de que nem a lei, nem a Constituição, dão poder ao MP para controlar as polícias. O presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, José Carlos Cosenzo, considera que a Constituição atribuiu essa prerrogativa ao MP, e a Conamp apenas a regulamentava. “Esse é o resultado de um lobby fortíssimo dos delegados de polícia que, antes de pensar nos interesses da sociedade, pensam no interesse corporativo e financeiro da categoria”, afirmou.

Que os delegados façam o lobby é justificável: não será nem a primeira, nem a última categoria a tentar exercer pressão sobre os parlamentares. Ao sucumbirem à pressão da polícia, no entanto, os parlamentares criam enormes e injustificáveis zonas de insegurança para a população. O próprio Itagiba, como ex-secretário de Segurança do Rio, está cansado de saber da atuação dos maus policiais nas favelas e periferia do seu estado — e tem pleno conhecimento de que as milícias formadas por policiais são, hoje, um problema tão grave quanto a ocupação dos morros por bandidos.

As operações policiais feitas pela Polícia Federal da qual saiu o mesmo Itagiba são pródigas de provas do envolvimento de maus policiais com o crime organizado. É da Polícia Militar do Rio, comandada por Itagiba no governo Rosinha Matheus, o Batalhão de Operações Especiais (Bope), tristemente publicizado no filme “Tropa de Elite” pela sua truculência e desrespeito aos direitos humanos.

Se a proposta de Itagiba for aprovada pelo Congresso, nenhum delegado, por exemplo, vai ser investigado pelo MP por ter aprisionado uma menor de idade numa cadeia pública repleta de presos e ter sido conivente com os sistemáticos estupros por ela sofridos. Os familiares da menor terão que procurar a própria polícia para reclamar da polícia. O MP também não vai poder investigar policiais corruptos ou ameaças de policiais a cidadãos. Não se terá proteção contra desmandos policiais, mas uma promessa de auto-investigação.

Sabe-se que, sem passar pelos tribunais, poucas mortes de policiais ficam fora da Lei de Talião da polícia — a do olho por olho, dente por dente.

Se o Senado aprovar a proposta de agravamento de penas de crimes contra eles, a polícia passará a se diferenciar definitivamente do resto da população — será um estrato à parte que, além de não prestar satisfações a qualquer outra instituição, estará protegida por punições legais mais graves para supostamente se proteger de ataques contra a sua integridade.