Artigo: Isonomia impossível

Artigo publicado no jornal Estado de Minas

É difícil acolher, se não como exercício para ocupar a ociosidade legislativa, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que confere autonomia administrativa, financeira e funcional à polícia civil dos estados e do Distrito Federal. A pretensão é dotá-la da mesma independência garantida pela Constituição ao Ministério Público Federal. Significa estabelecer isonomia entre órgãos identificáveis por inconciliáveis diferenças de funções e de posição hierárquica no quadro das instituições públicas.

O Ministério Público Federal está munido de prerrogativas e deveres que, na prática, dão-lhe estatura de um dos poderes da República. Não se trata de simples palpite de especialistas versados em Direito Constitucional. É constatação resultante da leitura seguinte: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (Constituição, art. 127).

Não poderia o MP exercer em plenitude tão relevantes encargos se não fosse resguardado pela independência funcional e administrativa, complementada por autoridade para elaborar o próprio orçamento, conforme a regra sancionada a todos os poderes: limites estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Também malograria na execução de seus deveres se não lhe coubesse criar e extinguir cargos e serviços auxiliares, respeitado o provimento mediante concurso público (Constituição, §§ 1º e 2° do art. 127).

A polícia civil não é instituição de Estado, mas entidade encartada em estrutura administrativa para promover a segurança pública conforme políticas ditadas pelos governadores. Cabe-lhe executar as atividades de prevenção ao crime e a de polícia judiciária, no caso para investigar e arrecadar provas destinadas à instrução de inquéritos (§ 4°, do art. 144, da Constituição). Para não sobrepairar dúvidas sobre o patamar hierárquico que ocupa, basta ver que o art. 129, VII, da Constituição atribui ao Ministério Público “o controle externo da atividade policial”, conforme lei complementar.

Seria algo absurdo que a polícia civil, instituição controlada pelo governo em todos os países civilizados e, não raro, subordinada ao Ministério Público (caso, entre outros, dos Estados Unidos e Reino Unido), se desgarrasse do controle governamental e social para se igualar a órgão de Estado figurante entre os poderes da República. Na verdade, a PEC em exame no Congresso se destina apenas a garantir, pela busca de isonomia com o MPF, a elevação de salários de agentes e delegados. Há diversos meios de a reivindicação ser atendida, menos, é claro, pela subversão da estrutura de poder erguida como pilar do regime constitucional.