PGJ de São Paulo baixa norma regulamentando investigações contra crime organizado Em meio a uma série de suspeitas de corrupção envolvendo membros da polícia estadual, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Fernando Grella Vieira, publicou norma pela qual assume poderes para barrar ou não o início de investigações do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado).

O Ato Normativo nº 539, que estabelece o “Plano Geral de Atuação do Ministério Público” para 2008, publicado no dia 7, prevê que todas as investigações do Gaeco precisam de “autorização expressa” do procurador-geral para serem feitas.

“Respeitados os princípios da oportunidade e conveniência e após autorização expressa da PGJ [Procuradoria Geral de Justiça], os integrantes do Gaeco poderão atuar em procedimentos de qualquer natureza que apurem infrações cometidas por organizações criminosas”, diz trecho do documento.

O Conselho Nacional do Ministério Público não quis comentar o ato porque poderá ter de analisá-lo, caso receba alguma representação contra ele -qualquer pessoa pode fazer isso, segundo o órgão, até mesmo sem se identificar.

Para promotores ouvidos pela Folha, que falaram sob a condição de anonimato, a determinação é inconstitucional porque fere o princípio da independência funcional: o promotor pode apurar tudo aquilo que considerar ilegal sem a necessidade de autorização. Essa é a primeira vez que uma norma dessa natureza é publicada. O Gaeco foi criado em 1995.

Os promotores dizem ver a norma como um “cabresto” no trabalho do Ministério Público e que tende a dificultar eventuais investigações que possam causar embaraços ao governo paulista. Pelo menos um admite fazer apurações “clandestinas”, sem comunicar à cúpula da instituição, para não sofrer eventual ingerência.

O procurador-geral é nomeado pelo governador, escolhido de uma lista tríplice. Essa lista é formada pelos três promotores mais bem votados na eleição interna da categoria. É praxe o governador apontar o mais bem votado, como Grella.

O Gaeco, que no interior é chamado de Gaerco (de regional), tem como principal missão investigar organizações criminosas, como aquela que agia na Ciretran (Circunscrição Regional de Trânsito) de Ferraz de Vasconcelos (Grande SP).

A chamada Operação Carta Branca, que ocorreu quatro dias antes de a normativa ser anunciada, foi liderada pelo Gaerco de Guarulhos e resultou na denúncia à Justiça de 23 suspeitos de integrar uma quadrilha especializada na venda ilegal de CNHs (carteiras de habilitação). Entre os suspeitos, dois delegados.

Medida é uma recomendação, diz procurador

O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Fernando Grella Vieira, nega o “encabrestamento” da Promotoria e diz que o documento publicado é apenas uma “diretriz” e traz “recomendações” aos promotores do Gaeco. “Não há sanção pelo descumprimento do plano de atuação. Isso é balizamento da política de atuação.”

Grella diz que a intenção da medida é evitar o “alijamento” do promotor natural do caso, como vem ocorrendo, e criar metas de atuação aos Gaecos. Hoje, segundo ele, os grupos assumem casos sem autorização desse promotor natural, como determina legislação interna.

O promotor natural é aquele que tem o direito de oficiar nos processos afetos ao âmbito de suas atribuições. O promotor do Júri, por exemplo, atua nos casos de homicídio. Por essa definição, o promotor não é escolhido conforme o réu e tem sua independência de atuação garantida pela Constituição, de forma inviolável.

“Você pode ter um acusador que seja complacente com alguém ou que seja vingativo. O princípio do promotor natural é justamente para que acusador seja imparcial”, afirmou ele.

“Hoje não temos isso. Hoje, o promotor do Gaeco é escolhido por critérios subjetivos pelo procurador-geral, sem a participação da Promotoria, e faz o que ele quer. Sem atender uma diretriz institucional e sem respeitar o princípio do promotor natural. Então, têm casos que ele pega, porque interessa a ele. Outros casos, não. Ele alija ou não alija o promotor natural. Nós não podemos conviver com isso. Você não pode escolher o seu acusador”, disse.

O procurador-geral admite que pelo texto publicado não dá para se ter essa interpretação e trata todos os tipos de investigação do grupo. Ele justifica o problema à forma resumida como o documento foi publicado.

O procurador diz que um ato normativo será publicado dentro de 30 dias só para regulamentar o Gaeco e que nesse texto ficará claro essa intenção “subentendida”. “Esse anunciado, está lacônico realmente e está sendo explorado dessa forma que você colocou. Na verdade, o sentido dele como vai estar no ato é tutelar o princípio do promotor natural e a política de atuação da instituição, para que nem o procurador-geral escolha livremente quem vai do Gaeco nem o promotor natural seja alijado de atuar naquele processo que lhe cabia”, afirmou.

“O Gaeco não vai depender de autorização do procurador-geral para apurar este ou aquele crime. Ele atua diretamente, desde que o crime tenha relação com organização criminosa, o Gaeco pode atuar”, afirmou ele.