Júri acumula casos

Vinte e oito de dezembro de 1993. Um tiro no olho esquerdo matou a bailarina Renata Braga, então com 20 anos. O crime ocorreu na Beira Mar após uma briga de trânsito. Renata estava no banco de trás do veículo, que era dirigido por um amigo. O autor do disparo, Wladimir Porto, 38, foi réu confesso. Mas, 14 anos e sete meses depois, num segundo julgamento, dia 20 de junho último, foi absolvido. Wladimir, que alegou legítima defesa, chegou a ser condenado a sete anos de prisão, em 1997. Mas cumpriu apenas 11 meses no IPPOO I. Seus advogados conseguiram anular o julgamento. Depois disso, uma série de recursos “atrasou” em 11 anos o processo. Nesse tempo, o réu permaneceu em liberdade.

Atualmente, segundo a assessoria de imprensa do fórum Clóvis Beviláqua, há 2.901 processos tramitando nas seis varas do Júri de Fortaleza. São casos de crimes dolosos contra a vida (homicídio, infanticídio, aborto e auxílio ao suicídio), que, na maioria das vezes, são encaminhados para o tribunal do júri. Centenas deles estão em andamento há pelo menos cinco anos. Muitos, há quase uma década – ou mais. “É um número alto. E a tendência é aumentar ainda mais, devido à impunidade”, afirma o juiz José de Castro Andrade, titular da 3ª Vara do Júri. Pernambuco, por exemplo, que tem índices de criminalidade semelhantes ao do Ceará, contabiliza 2,6 mil processos.

As seis varas do júri da Capital julgam, em média, 360 processos por semestre – cerca de 720 por ano -, de acordo com a assessoria de imprensa do fórum. Mas apenas em 2007 foram registrados 1,3 mil assassinatos na Região Metropolitana de Fortaleza, o dobro do número de processos julgados por ano. Com isso, a tendência é a bola de neve crescer a cada temporada do júri.

Crime

Dois casos emblemáticos são os mais antigos em tramitação no Estado. São exemplos clássicos de como a Justiça pode ser morosa e é facilmente protelada pelos advogados. O caso da bailarina Renata Braga já tem 14 anos desde o dia do crime, em 28 de dezembro de 1993, até o último julgamento – mês passado. Com a absolvição de Wladimir Porto após o segundo julgamento, agora é a acusação que recorre contra a sentença. “Nada justifica um processo demorar 14 anos. Isso é uma agressão ao povo. É um escarro no rosto da sociedade. E há vários casos que estão desse mesmo jeito”, diz o promotor Walter Pinto Filho. “Aqui o advogado recorre, recorre, recorre e o tempo vai passando. E o sentimento de impunidade continua”, completa.

De acordo com Oneide Braga, mãe de Renata e uma das diretoras da Associação de Parentes e Amigos Vítimas de Violência (Apavv), cerca de 400 famílias já procuraram a instituição desde que ela foi fundada, em maio de 1999. “Apenas uns cinco ou seis (casos) foram resolvidos. É muita impunidade”, diz ela, ressaltando que os recursos são os grandes “amigos” da impunidade. “São 13, 14 anos de espera. A pessoa recorre em liberdade. A pena deveria ser cumprida, principalmente com júri popular. É a sociedade que está impondo aquela pena”, afirma. No site da associação (www.apavv.org.br) há pelo menos 50 casos de famílias que ainda aguardam por uma decisão da Justiça.

Outro processo tradicional – pela demora – no Estado é o do empresário Flávio Carneiro. Ele matou a ex-esposa com oito tiros em 1992, em uma loja do Centro de Fortaleza. O crime foi presenciado por um oficial de justiça. Mesmo assim, o último julgamento ocorreu apenas em 2006. Mas está longe de terminar. Flávio Carneiro, que foi condenado a 14 anos de prisão, aguarda análise de recurso no Tribunal de Justiça em liberdade, já que tem endereço fixo e bons antecedentes criminais.

O advogado Clayton Marinho, 65, que atuou na defesa tanto de Wladimir como de Flávio nos dois processos, não considera a Justiça lenta no Brasil. “As partes estão usando do direito à cidadania (no caso dos recursos). Se há alguma reclamação deve ser creditada aos tribunais superiores”, diz ele, que não concorda com a afirmação de que o réu, caso tenha um bom advogado, não vai para a cadeira. “Não concordo com isso. É uma invencionice de quem não conhece a lei brasileira”, critica.

Reforma

Os juristas ouvidos pelo O POVO confirmam que a lentidão da Justiça tem relação direta com a atual legislação processual. Eles defendem uma mudança mais radical no Código de Processo Penal, além da alteração que entrará em vigor a partir do dia 10 de agosto. A nova legislação não mexe com a quantidade de recursos – varia de acordo com cada processo. Apenas alterou a idade mínima (de 21 para 18 anos) e a lista prévia de jurados (passou de 21 para 25), além da limitação do número de perguntas que o júri terá de responder para chegar ao veredicto.

“A mudança não acelera o processo. O legislador brasileiro não tem coragem de fazer mudanças. Isso é mais uma ficção”, afirma o promotor Walter Pinto Filho. Ele diz que a sensação de impunidade vai continuar, apesar das mudanças na lei processual. “Essas penas, quando estabelecidas, têm de ser cumpridas. Aqui não há cumprimento de pena”, critica.

De acordo com o advogado criminalista Flávio Jacinto, a Justiça é movida de acordo com a iniciativa das partes. “Toda decisão é sujeita a recurso. O que acontece é a demora para se dar andamento nesses recursos”, afirma ele, que diz ser favorável às mudanças no Código de Processo Penal. “Existem determinadas funções do Código que precisam ser atualizadas conforme as necessidades da sociedade. Precisa evoluir”, diz o advogado.

O juiz José Barreto de Carvalho Filho, titular da 4ª Vara do Júri, defende uma mudança que atinja o excessivo número de recursos possíveis dentro do processo. “É o principal entrave que ocasiona essa morosidade que a sociedade tanto reclama. Mas ele é um objeto processual previsto em lei”, afirma.

José de Castro Andrade, juiz da 3ª Vara do Júri, defende uma mudança no Código que permita que o réu seja mandado a júri sem direito a recurso. “Seriam economizados pelo menos três anos do processo”, afirma.