Poucas denúncias de compra de voto no Interior
As denúncias sobre compra de voto no Interior do Ceará são poucas até o momento, de acordo com o Ministério Público Eleitoral. Segundo os promotores locais, a maior parte das denúncias se deu em relação à “vida pregressa”, principalmente depois da divulgação da lista do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) com candidatos com “ficha suja” na Justiça.
Segundo o promotor de Crateús, José Arteiro Soares Goiano, as denúncias sobre compra de voto ocorrem, principalmente, no final da campanha, quando os ânimos começam a se acirrar. Já o promotor de Juazeiro do Norte, Leonardo Morais Bezerra, disse que, “naturalmente”, a maior incidência é do meio para o final da campanha, mas ele não descarta que ocorra logo no início. Para isso, garantiu que a Polícia Federal e a promotoria já estão de prontidão.
Já a promotora de Santana do Cariri, Alessandra Magda, reclamou da dificuldade de se provar uma compra de voto e afirmou que até agora não chegou a receber nenhuma denúncia. “Quem compra não vai dizer que comprou e quem vendeu também não diz por que está cometendo um crime”, aponta. A saída, segundo ela, acontece quando os opositores começam a denunciar, o que vem acontecendo menos. “Ninguém vai denunciar o que todo mundo está fazendo”, reclamou ela, acrescentando que vai apostar em campanhas de conscientização nas escolas.
Voto por água
Apenas Salitre recebeu denúncias de compra de voto até agora. Conforme O POVO mostrou na edição do dia 21 de julho, a Polícia Federal instaurou inquérito para investigar as denúncias de compra de voto no município, localizado a 608 quilômetros de Fortaleza. A instauração do inquérito responde ao pedido feito pelo promotor público José de Deus Terceiro, para apurar os indícios de que o candidato à reeleição, Agenor Manuel Ribeiro (PT), estaria usando a distribuição de água por meio de carros-pipa como moeda de troca por votos.
Na ocasião, o advogado da coligação do prefeito, Francisco Ione Pereira Lima, negou que a distribuição de água tenha relação com compra de votos. Segundo ele, o Município realiza atualmente o fornecimento de água para a população através de carros-pipa que abastecem cerca de 60 cisternas construídas em diversas localidades da região.
Em entrevista ao O POVO, a procuradora regional eleitoral Nilce Cunha explica como funciona a compra de voto na campanha eleitoral e critica o candidato que transfere para o pedinte a responsabilidade por ter dado dinheiro para passagem de ônibus, remédio ou alimentação.
O POVO – Como é feita a investigação de compra de voto?
Nilce Cunha – Por exemplo, chega uma denúncia para o Ministério Público que lá no comitê tal estão distribuindo dinheiro, está cheio de gente. Isso sempre aconteceu e é possível que isso possa acontecer agora também. O promotor vai lá, chama a polícia, realiza o flagrante de que estão entregando cesta básica, estão dando qualquer coisa. A compra é com qualquer coisa que esteja sendo dada em troca do voto: remédio, óculos, dinheiro em espécie, cesta básica, pagamento de conta de luz, água. Depois do flagrante, é aberto o processo, arrola pessoas que estavam lá. Às vezes, até o juiz vai junto.
OP – E se o beneficiário disser que o dinheiro é dele e que não recebeu de ninguém?
Nilce – É uma investigação. A pessoa está lá, no ambiente, que é comprometedor, que não existe na rotina. O que dezenas de pessoas estão fazendo ali no comitê de um candidato? Sempre eles procuram disfarçar, porque estão cometendo uma infração. Mas você não pode botar no bolso uma cesta básica. Tem que sair. Isso as pessoas vêem. Mesmo que o candidato não esteja lá – isso é o que a gente vai provar no processo -, ele é o beneficiário pelo ato. Então, não precisa que o candidato chegue e ofereça para você o benefício. Mas os fatos demonstram que ele tem conhecimento, que ele autoriza aquilo ali. Então ele é responsável pelos atos. Como são também as pessoas que fazem.
OP – E em caso de chegar um pedinte e solicitar algum benefício ao candidato?
Nilce – É muito complexo você definir, especialmente no Ceará, onde há muitos pedintes. Como separar o candidato do cidadão? Chega para você, chega para mim e pedem. Eu meto a mão no bolso. A minha situação é uma, mas a do candidato é outra. Este discurso de que as pessoas vêm pedir e por isso o candidato dá é uma forma de querer transferir a culpa para aqueles que pedem – e a grande maioria que pede é realmente miserável e tem a perfeita noção de que na época da eleição é hora de levar vantagem.
OP – É a questão da cultura.
Nilce – Esse é o ponto da discussão. A gente precisa romper com a cultura de corrupção eleitoral. É muito cômodo para o candidato usar esse discurso: “Estou aqui no meu canto. Aí chega alguém lá na minha casa, bate na minha porta e pede dinheiro para a passagem de ônibus ou porque está doente”. Vai pedir a ele porque ele é político e essa pessoa fica devedora. Não é de graça.