Em artigo, o promotor de Justiça Marcus Amorim comenta as mudanças em dispositivos do Código de Processo Penal sancionadas pelo presidente da República. Saiba mais

Entrará em vigor, no dia 9 de agosto de 2008, a Lei n.º11.689/08, que alterou diversos dispositivos do Código de Processo Penal, todos eles referentes ao procedimento dos crimes de competência do Tribunal do Júri Popular. Como se sabe, a nova legislação é, de certo modo, uma resposta imediata do Parlamento a dois episódios que, muito recentemente, causaram indignação e estupefação na sociedade brasileira: o bárbaro assassinato da menina Isabella Nardoni e a absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, acusado de ser o mandante da execução da missionária Dorothy Stang.

A Lei n.º11.689/08 é fruto de um anteprojeto que tramitava no Congresso Nacional desde 2001, e este, por sua vez, reunia várias propostas inseridas em outros projetos legislativos sobre a matéria. Todavia, o esforço não parece destinado a satisfazer, no mesmo grau das expectativas criadas, os anseios da sociedade brasileira por uma tramitação processual mais célere e uma mais eficiente punição de agentes criminosos, tampouco enfrenta questões de fundo na organização do Júri Popular no País.

É que, apesar da extinção do protesto por novo Júri, um recurso judicial que reputávamos esdrúxulo, e da simplificação de certas fórmulas processuais, principalmente a apresentação do questionário de votação aos jurados, medidas implementadas em muito boa hora, a nova Lei deve sofrer grandes dificuldades de aplicação, pois esbarrará, como qualquer outra lei, nas graves deficiências estruturais do sistema judiciário brasileiro.

Por exemplo: com o objetivo de abreviar a duração da instrução processual, a nova Lei prevê uma audiência única para ouvir a vítima, as testemunhas, os peritos e interrogar o acusado. Mas, para isso, há alguns obstáculos: testemunhas que não são localizadas, réu fugitivo, necessidade de cartas precatórias, vítima faltosa. Tudo isso pode impedir que o Juiz aplique corretamente a lei, e nessas situações, veja-se obrigado a realizar mais de uma audiência, tal como na lei anterior. E o mais preocupante é lembrar que, na tramitação de qualquer processo judicial, o maior consumo de tempo se dá, não em audiências ou manifestações das partes, mas na realização de simples expedientes burocráticos: envio de cartas, cumprimento de mandados, certificação de atos processuais, juntada de documentos. Esses procedimentos são efetuados pelos funcionários da Justiça, cujo quadro, aqui no Ceará, é ainda bastante precário.

Além disso, perdeu-se uma importante oportunidade de democratizar e aperfeiçoar ainda mais a instituição do Júri Popular. O modelo de recrutamento permanece, em sua essência, o mesmo de outrora, oportunizando somente a participação de servidores públicos, sem estimular o interesse de donas-de-casa, estudantes e profissionais liberais. Os jurados continuam a conhecer os autos do processo somente na sessão plenária, e assim, os recursos de oratória da acusação e da defesa preservam sua força, muitas vezes, capazes de distorcer a realidade da causa. A coleta de provas é muito dependente de uma investigação policial, a cargo de uma polícia judiciária muitas vezes mal aparelhada e despreparada.

Diante de tamanhos empecilhos, não é difícil perceber que a impunidade é um fantasma que ainda assombrará a sociedade civil, aí incluídos aqueles que desejam encontrar numa sessão plenária do Júri Popular o palco de uma justiça célere, eficiente e participativa.