Quase metade dos disputantes a prefeito nas capitais responde a processos na Justiça, segundo o site Congresso em Foco. Saiba mais
Quase metade dos candidatos a prefeito das capitais brasileiras responde a processos na Justiça. Levantamento feito pelo Congresso em Foco encontrou 415 registros contra 86 dos 178 concorrentes ao Executivo nas 26 cidades.
Aproximadamente um quarto do total desses processos envolve os candidatos do maior colégio eleitoral do país, São Paulo, com cerca de 7,9 milhões de eleitores. Seis dos onze pretendentes à prefeitura paulistana são alvos de 106 ações judiciais, e quatro deles estão entre os dez candidatos com mais processos nas capitais do país.
No levantamento, foram consultadas as páginas na internet do Supremo Tribunal Federal (STF), da Justiça Federal e dos tribunais de Justiça de cada estado. A proposta foi sistematizar as informações disponíveis sobre a situação judicial de cada um dos candidatos às prefeituras das 26 capitais, utilizando as ferramentas ao alcance dos eleitores. Os registros encontrados foram, ainda, submetidos aos candidatos para eventuais comentários.
Em relação ao número total de processos contra os candidatos, logo atrás da capital paulista aparece Belém (PA), onde seis dos sete que disputam a prefeitura respondem a 33 ações. Seis dos 11 concorrentes em São Luís (MA) respondem, ao todo, a 31 processos. Também em Porto Velho (RO) há 31 registros, envolvendo seis dos sete candidatos.
Assim como nas capitais do Pará e de Rondônia, em Manaus apenas um dos candidatos não responde a processo na Justiça.
Atenção ao votar
Cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB), David Fleischer acredita que não há relação direta entre o tamanho do eleitorado ou o ambiente político nos municípios e o número de processos a que respondem os candidatos às prefeituras.
Segundo o professor, dois fatores podem determinar um grande número de registros nas páginas dos tribunais: a conduta pessoal do candidato nas esferas privada e pública e sua projeção política, com a decorrente exposição a ataques dos adversários.
“Ao observar a ficha judicial do candidato, o eleitor deve pesar as acusações contra ele, verificar se depõem contra sua honestidade ou se podem comprometer a gestão pública. Deve ainda considerar que alguns processos podem se tratar de ataques políticos”, explica Fleischer.
Sete dos dez mais processados candidatos às prefeituras das capitais têm experiência no Executivo: Paulo Maluf (PP-SP, 49 processos, ex-prefeito e governador), Dalva Figueiredo (PT-AP, 23 processos, ex-governadora), João Castelo (PSDB-MA, 20 processos, ex-governador), Duciomar Costa (PTB-PA, 19 processos, candidato à reeleição em Belém), Marta Suplicy (PT-SP, 17 processos) e Dário Berger (PMDB-SC, 12 processos, candidato à reeleição em Florianópolis) e Esperidião Amin (PP-SC, 11 processos, ex-prefeito e governador).
A responsabilidade dos partidos
David Fleischer também responsabiliza as legendas pela elevada quantidade de candidatos que respondem a processos na Justiça. Afinal, cabe aos diretórios partidários definir quem está em condições de representar o partido na disputa eleitoral. “Sei que no PP paulista houve grande discussão sobre a indicação de Paulo Maluf como candidato do partido, mas a posição contrária foi derrotada”, conta o cientista político.
A candidatura de Maluf é determinante para que seu partido, o PP, tenha o maior número de processos entre os concorrentes nas capitais: os cinco candidatos a prefeito pelo partido respondem, juntos, a 69 ações. Em seguida, aparece o PT, com 12 candidatos que acumulam 60 processos; o PSDB, com 48 registros contra sete candidatos; e o PMDB, com 36 ações envolvendo dez candidatos.
Candidaturas ameaçadas
Hoje, para que algum candidato seja impedido de concorrer a cargos eletivos, é necessária condenação em sentença transitada em julgado – ou seja, contra a qual não cabem mais recursos – por abuso do poder econômico ou político, por crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público e o mercado financeiro. Ou, ainda, por tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais, os que tiverem as contas relativas ao exercício dos cargos públicos rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário.
Tramitam no Congresso projetos de lei que visam endurecer a regra, tornando inelegíveis os condenados em primeira ou única instância por determinados tipos de crime (leia mais). Caso já estivesse em vigor, diversos candidatos com chances reais de assumirem ou manterem as prefeituras nas capitais poderiam ser obrigados a deixar a corrida eleitoral.
Em maio, a candidata à prefeitura de São Paulo e ex-ministra Marta Suplicy foi condenada em primeira instância por improbidade administrativa, acusada de não cumprir ordem judicial que determinou o pagamento de precatórios alimentares, quando foi prefeita de São Paulo (2001 a 2004). Pela sentença, teria suspensos os direitos políticos por três anos. Seu concorrente, o atual prefeito Gilberto Kassab, também já teve uma condenação em primeira instância, em ação civil pública por improbidade administrativa. Ambos recorreram e mantiveram o direito de disputar as eleições.
Em agosto, o prefeito de Belém, Duciomar Costa, candidato à reeleição, chegou a ter a candidatura impugnada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Pará. A sentença foi emitida com base em pedido do Ministério Público Eleitoral (MPE), que citou processos judiciais a que o candidato responde e julgou que o prefeito não preencheria o requisito da moralidade para exercer o cargo. Já em setembro, o candidato à Prefeitura de Recife João da Costa (PT), líder nas pesquisas de intenção de voto, teve a candidatura cassada em primeira instância pela Justiça Eleitoral. Recorreu, mas o processo prossegue e ainda pode afetar o desdobramento das eleições na capital pernambucana.
Em decisão recente, o Supremo Tribunal Federal se posicionou pelo direito dos candidatos de manterem as candidaturas até que se esgotem todos os recursos cabíveis contra eventuais condenações. Trata-se, explicou o STF, de sustentar o princípio da presunção da inocência, garantia constitucional associada ao direito à ampla defesa.
Direito obstruído
Apesar de garantido pela Constituição, o exercício do direito à informação sobre a conduta e a vida pregressa dos homens públicos ainda é bastante dificultado no Brasil. Autor de quase uma dezena de levantamentos sobre a situação processual dos parlamentares no Supremo Tribunal Federal (STF) (confira o último), o Congresso em Foco encontrou dificuldades, nas páginas dos tribunais de Justiça, para acessar dados sobre os candidatos a prefeito.
Na maioria das 26 páginas de tribunais de Justiça consultadas, a pesquisa por nome de uma das partes envolvidas no processo esbarra em mecanismos de busca pouco eficientes. Em várias delas, não há informações claras a respeito da movimentação dos processos. Ao contrário do que ocorre no site do STF, em quase nenhuma se pode conhecer o assunto a que determinada ação se refere.
Há ainda outras dificuldades. Casos de processos relativos a pessoas que têm o mesmo nome (homônimos), por exemplo, não podem ser resolvidos, uma vez que não se pode fazer a procura por número do CPF das partes. O site do Tribunal de Justiça do Paraná sequer permite a consulta a processos em 1ª instância por nome das partes. Na maioria das páginas de tribunais, não é possível visualizar o arquivo originário de apelações em 2ª instância. Por todas essas limitações, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que publica levantamento análogo, e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) já se manifestaram reivindicando melhorias no serviço de consulta processual.