Ceará tem menor gasto em segurança por habitante
Uma voz embargada do outro lado da linha pergunta de onde fala. No final da entrevista, ela pede desculpa. Antes de atender o telefone, a professora Fátima Belchior estava chorando. “No próximo dia 23 era para ser as nossas bodas de prata (25 anos de casamento). Agora não vai ter festa nenhuma. É só tristeza”, explica. O marido, professor universitário Arnaldo Belchior, foi morto por assaltantes na porta de casa, em agosto de 2007.
O vendedor ambulante Robésio Santiago nem sequer viu o filho fazer 19 anos. Às vésperas de assumir o primeiro emprego, em outubro do mesmo ano, Ranier foi vítima de bala perdida em uma churrascaria na periferia de Fortaleza. “Minha vida virou uma tragédia”, chora o pai.
Alberto Pereira sente dor parecida. Em julho de 2003, Alberto Pereira Júnior voltava da Beira Mar. Uma abordagem policial transformou-se em cena de selvageria. Júnior não resistiu a mais de três horas de espancamento. “Ele me ligou dizendo que já estava retornando, mas nunca voltou”, chora Alberto.
Isolado, cada caso é um drama familiar. Juntos, fazem parte de estatísticas que, espalhadas Ceará afora por todos os estratos sociais, desafiam o poder público e a sociedade. Todos se perguntam como enfrentar a criminalidade. É uma questão complexa, diriam estudiosos do tema. Em geral, envolve problemas como desigualdade social, impunidade, despreparo da Polícia e poucos recursos públicos para a área.
Depois da trágica morte do marido, há um ano e três meses, a professora Fátima foi buscar alento e justiça na Associação de Parentes e Amigos de Vítimas da Violência (Apavv). Atualmente, a viúva, moradora do bairro Varjota – o prédio dela fica em frente à favela do Trilho, de onde vieram os assaltantes -, engaja-se em discussões e encaminhamentos de soluções. Apesar de reconhecer o peso de iniciativas como o Ronda do Quarteirão, ela observa que faltam ações mais efetivas, no combate ao tráfico de drogas e estreitamento das relações entre Polícia e comunidade. “Eles (governantes) podem investir mais”, resume ela.
Dados oficiais confirmam a percepção da professora. Entre todos os Estados brasileiros, o Ceará é o que menos gasta com segurança pública por pessoa, anualmente. Um levantamento feito pelo O POVO mostra que, na média dos últimos três anos (2005, 2006 e 2007), o governo gastou R$ 55,34 por ano com a segurança de cada cearense. O período abrange o fim da administração Lúcio Alcântara e o começo do governo Cid Gomes.
A média nacional desse tipo de despesa é mais de duas vezes e meia superior: R$ 146,21. Estados como Rio de Janeiro, Amapá e Acre desembolsam, cada um, pelo menos, quatro vezes mais do que o Ceará. O vizinho Piauí, considerado o Estado menos violento do Nordeste, segundo dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), dedica R$ 70,52 per capta ao problema. (veja ranking)
Bons exemplos
Organização não-governamental (ONG) que atua no setor, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública vê relação direta ente o aumento desses gastos e a redução dos índices de criminalidade, principalmente o número de homicídios. De acordo com o último Anuário, publicação editada pela entidade, em São Paulo, por exemplo, a taxa de assassinatos retrocedeu 20,7% em 2007 em comparação ao ano anterior.
Para alcançar tal resultado, foi preciso abrir as torneiras. O maior Estado do País vem aumentando, consecutivamente, os gastos anuais por pessoa em segurança. Saiu de R$ 156,40 em 2005 para R$ 173,33 em 2006 e, no ano passado, chegou a R$ 182,87 em investimentos por habitante. “Uma das teses para a redução dos homicídios em São Paulo é o investimento em inteligência”, diz Renato Sérgio de Lima, coordenador técnico do Anuário e do Fórum.
Outro motivo apontado por Sérgio de Lima como fundamental para a redução da criminalidade em estados como Pernambuco, São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais foi a eficiência no gasto. Bom exemplo também vem dando o Estado do Rio de Janeiro. Lá, o governo elevou as aplicações em 4,4% no orçamento e apresentou um recuo de 4,7% no total de assassinatos, de acordo com o Anuário.
Ao mesmo tempo, a redução dos investimentos por Distrito Federal e Mato Grosso pode estar relacionada, segundo o Fórum, com a expansão dos homicídios em, respectivamente, 3% e 8%, na comparação entre 2007 e 2006. O Estado de Pernambuco, considerado pela Senasp como o mais violento do Nordeste, está tentando sair da indesejada liderança e expandiu as despesas em 17,9% entre 2006 e 2007.
O Fórum não analisou a repercussão dos gastos em segurança pública do Ceará na evolução dos índices de criminalidade cearense. No estudo da ONG, o Estado faz parte de um grupo que não teve o volume de crimes considerados, por conta da “grande quantidade de óbitos mal declarados”.