Direitos humanos dependem mais da família, diz brasileiro

A família e o esforço pessoal são vistos pelos brasileiros como os principais garantidores dos direitos humanos, deixando o Estado, na forma de ações de governo na área, em terceiro lugar no ranking. Além disso, os brasileiros dizem apoiar políticas no setor, mas se mostram intolerantes a garantias individuais dadas a detentos. As conclusões estão em pesquisa encomendada pela Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência, realizada pela Criterium Avaliação de Políticas Públicas e coordenada por Gustavo Venturi, professor de sociologia da USP. Foram ouvidas, em agosto, 2.011 pessoas em 150 municípios do país.

Para o governo brasileiro, a percepção é que, 60 anos após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a opinião pública tem majoritariamente uma imagem positiva da área.

“A pergunta que eu mais festejei foi a que testa a visão de que direitos humanos é defesa de bandido. Ela aparece na mídia, no debate público, com muito mais força do que na pesquisa”, disse o ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), sobre dado segundo o qual só 8% avaliam que as políticas da área servem só aos criminosos.

Mas o quadro não é róseo. Parcela significativa dos entrevistados mostrou intolerância ao se manifestar sobre frases populares. Deles, 43% disseram concordar totalmente ou em parte com a expressão “bandido bom é bando morto”.

O dado contrasta com a opinião de que a vida é o mais importante dos direitos humanos. “Quando a pessoa fala que o direito à vida é o mais importante, está pensando na vida dela”, diz Venturi. Outros 34% corroboram a tese segundo a qual “direitos humanos devem ser só para pessoas direitas”.

Apenas um terço da população diz que o direito dos presos deve ser totalmente respeitados, já feita a ressalva de que eles já têm restrições na liberdade de ir e vir.

Na avaliação de especialistas no tema, os índices de violência explicam em boa parte essas reações. “Há uma situação de muito desespero, de forma que praticamente todas as políticas de combate à violência têm apoio da maioria, ainda que inspiradas em princípios contraditórios”, diz Venturi.

Ilustra sua opinião o endosso da população tanto à possibilidade de redução da pena de presidiários por trabalho quanto ao endurecimento das condições dos detentos.

Homossexualidade
Em relação aos direitos sexuais, mais de um terço da população tem algum grau de concordância com a frase “a homossexualidade é uma doença que precisa ser tratada”. Por outro lado, o cenário fica mais favorável aos homossexuais quando os entrevistados são indagados sobre questões polêmicas relacionadas ao tema. A permissão para casais do mesmo sexo adotarem crianças tem o apoio de 48% -19% não sabem ou não são nem a favor nem contra. A união civil tem a seu favor 42% das pessoas.

A percepção sobre os direitos humanos varia de acordo com o grau de instrução dos entrevistados. Para quem tem nível superior, as políticas de governo são a principal garantia da efetivação dos direitos. A família fica apenas em quarto lugar, atrás também do acesso à Justiça e do esforço pessoal.

Já para os que têm só até a quarta série, a família fica em primeiro lugar, com 23 pontos a mais que o governo.

Parte disso, segundo os especialistas, pode estar ligada à falta de formação e informação: segundo o levantamento, 2 a cada 5 brasileiros não sabem apontar um direito humano assegurado pela Constituição.

Família no lugar do Estado

Deficiências do Estado e violência doméstica são razões apontadas por especialistas para o fato de a família ser considerada pela maioria dos brasileiros como o principal fator para a garantia dos direitos.

“Quando alguém tem um problema grave de saúde, pode até recorrer ao Estado, mas quem dá conta de todo o resto é a família. (…) Não chegamos nem perto de construir um Estado de bem-estar social”, diz Nancy Cardia, coordenadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

Professor de direito da Fundação Getúlio Vargas e diretor da Conectas Direitos Humanos, Oscar Vilhena Vieira diz que, por um lado, a resposta indica ausência de noção clara de cidadania e deveres do Estado.

Porém, aponta que a população assume a responsabilidade pelo exercício dos direitos, já que a violação deles, muitas vezes, ocorre dentro de casa, principalmente contra a mulher e contra a criança. “Essa resposta, embora não seja óbvia, demonstra que as relações pessoais são uma questão central dos direitos humanos.”

Em relação à concordância de parte expressiva dos entrevistados com frases como “bandido bom é bandido morto” (43%), Vieira diz que se trata de conseqüência do medo gerado pela violência. Ele ressalta, porém, que os índices são próximos dos que medem a confiança das pessoas em outros valores democráticos.

Já coordenadora do NEV diz que é preciso cuidado ao analisar a concordância com frases populares. “São coisas que as pessoas ouvem no dia a dia, e às vezes, respondem de forma mais mecânica”, afirma.