Apesar da ação preventiva realizada por Tribunal de Contas dos Municípios e Ministério Público, mais uma vez o Ceará vive uma onda de denúncias de desmonte em prefeituras. Sucateamento, rombo nas contas e falta de documentos são alguns dos problemas

A cada quatro anos, o ritual se repete. Em muitos municípios cearenses, os novos prefeitos gastam os primeiros dias de suas gestões constatando o quão preocupante é a situação das prefeituras ao receberem a administração das mãos de adversários políticos. Mesmo nas cidades visitadas pela operação antidesmonte, realizada em conjunto por Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) e Ministério Público (MP), os gestores ainda têm muitas reclamações e acusações contra seus antecessores.

O POVO conversou com os novos administradores de seis municípios visitados pela equipe de fiscalização. A despeito do trabalho do TCM e do MP no período pós-eleições, as denúncias de desmonte se mostraram uma constante. Completando uma semana nos cargos, os prefeitos relatam ter encontrado grandes dívidas, hospitais, escolas e veículos sucateados, coleta de lixo paralisada, ausência de documentos de contabilidade, entre outros problemas que indicam má administração, ou mesmo improbidade, e que dificultam o pontapé inicial dos novos governos.

Pindoretama, Palmácia e São Luís do Curu foram cidades onde a visita da operação antidesmonte acabou levando ao afastamento dos prefeitos, ou, no caso de Palmácia, o chefe do Executivo renunciou ao mandato em meio a um processo judicial. José Gonzaga Barbosa (PPS), em Pindoretama, Marinez Rodrigues (PRB), em São Luís do Curu, e João Desidério (PSB), em Palmácia, deixaram os cargos sob denúncias de descumprimentos de trâmites legais nas movimentações financeiras ou mesmo de desvio de recursos.

Em Pindoretama (a 49 km de Fortaleza), a prefeita Regina Vasconcelos (PSDB) ainda não sabe nem mesmo o valor exato das dívidas da Prefeitura, pois a documentação contábil não foi repassada pela gestão anterior. Segundo Regina, contudo, há débitos pendentes em relação a contas de luz e telefone. A energia já teria sido cortada em alguns prédios públicos. Só em relação ao período de 2005 a 2006, o Município teria acumulado uma dívida de mais de R$ 2 milhões com o INSS.

Regina Vasconcelos relatou ainda que a coleta de lixo está paralisada há mais de dois meses e que os postos de saúde estão fechados. A Secretaria da Educação também estaria sem condições de funcionar, pois todo o material da instituição estaria depositado em um auditório da Secretaria de Assistência Social. “Tá um desmantelo, nós estamos sem rumo. Não temos onde trabalhar”, lamentou.

Wellington Pereira, chefe de gabinete do prefeito de Palmácia (a 73km da Capital), Cláudio Martins (PT), afirmou que o hospital municipal está parado, sem remédios e sem alimentação para os pacientes. Ele informou que o repasse de recursos federais à Prefeitura estaria bloqueado desde o dia 10 de dezembro e que será decretado estado de emergência no Município.

Em São Luís do Curu (a 95 km de Fortaleza), os problemas relatados são similares. Segundo Fernando Abreu, secretário de Ação Governamental e marido da atual prefeita, Josélia Abreu (PSDB), o hospital sofre com falta de pessoal e de material e o Programa de Saúde da Família estaria sem funcionar “há muito tempo”. “É caótica, calamitosa a situação do Município”, declarou.

Ontem, O POVO já havia mostrado o caso de Caucaia, outro município visitado pela operação antidesmonte, onde o prefeito informou haver uma dívida de mais de R$ 14 milhões, escolas demolidas e postos de saúde fechados.

“Normal”
Para os ex-gestores, as prefeituras foram entregues em condições “normais”. Marinez Rodrigues, ex-prefeita de São Luís do Curu, afirma que deixou “tudo organizado” até seu afastamento. “Até o dia 6 de novembro estava tudo normal”, disse. “Quando eles entram (no governo), eles querem algum fundamento pra dar estado de emergência”, contra-atacou.

O vice de Marinez, Humberto Tabosa (PT), que assumiu depois de seu afastamento, afirmou que os serviços da Prefeitura funcionaram no período em que passou à frente do governo, ainda que precariamente. “Um município em que não foi feito nada, fica difícil a pessoa consertar em um mês”, disparou contra a ex-aliada.

Antônio Horácio (PRB), vice que assumiu no lugar de João Desidério, disse ter transmitido a Prefeitura de Palmácia numa situação “normal”. De acordo com ele, apesar de assumir problemas com a frota de veículos, a saúde e a educação funcionaram normalmente. “Ao deixar a Prefeitura, nós a deixamos bem”, avaliou.

O POVO tentou contato com o ex-prefeito de Palmácia, João Desidério, durante a tarde de ontem. Contatado em seu escritório, o filho de Desidério informou que não tinha o telefone celular do pai. O ex-prefeito de Pindoretama, José Gonzaga Barbosa, também não foi encontrado. Seu assessor jurídico indicou um telefone fixo no qual a reportagem conseguiria o contato de seu vice, José Andrade Costa, mas a ligação não foi atendida.


EMAIS

– Os casos de dilapidação do patrimônio público na transição municipal no Ceará relatados nos últimos dias não são novidade.

– Em 1997, CPI do Desmonte instalada na Assembléia pediu, após seis meses de trabalho, o indiciamento de 42 ex-prefeitos. Relatório final contou com 24 mil folhas de documentos.

– Em 2000 foi criada uma Comissão Especial do Desmonte. No fim, 22 ex-prefeitos foram denunciados e relatório de 711 páginas foi entregue ao Ministério Público.

– 2005 mais uma CPI do Desmonte foi intalada na Assembléia. Concluída em 2006, encontrou irregularidades em 34 prefeituras, entre 2001 a 2004.

– Em Fortaleza, a CPI de 2005 apurou que a gestão de Juraci Magalhães deixou uma dívida de R$ 189,751 milhões sem justificativas de despesas.

– Segundo o deputado estadual Moésio Loyola (PSDB), relator da CPI do Desmonte de 2005, vários ex-prefeitos não puderam se recandidatar em eleições posteriores devido a punições. O parlamentar não soube precisar o número de punições.

– Moésio Loyola admite, porém, que vários dos prefeitos que denunciam desmonte promovido pelos ex-gestores cometem as mesmas irregularidades quatro anos depois.

Gabriel Bomfim
da Redação

07 Jan 2009 – 00h15min