O relator do processo, Ministro Celso de Mello, citou precedentes da própria Corte para sustentar seu ponto de vista em favor do poder de investigação criminal do MP.
O Ministério Público pode fazer, por sua iniciativa e sob sua presidência, investigação criminal para formar sua convicção sobre determinado crime, desde que respeitadas as garantias constitucionais dos investigados. A Polícia não tem o monopólio da investigação criminal e o inquérito policial pode ser dispensado pelo MP no oferecimento de sua denúncia à Justiça. Entretanto, o inquérito policial sempre será comandado por um delegado de Polícia. O MP poderá, na investigação policial, requerer investigações, oitiva de testemunhas e outras providências em busca da apuração da verdade e da identificação do autor de determinado crime.
Com este entendimento, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal indeferiu, por votação unânime, Habeas Corpus em que o agente da Polícia Civil do Distrito Federal, Emanoel Loureiro Ferreira, condenado pelo crime de tortura de um preso para obter confissão, pleiteava a anulação do processo desde seu início, alegando que ele foi baseado exclusivamente em investigação criminal conduzida pelo MP.
O relator do processo, ministro Celso de Mello, optou por apresentar seu voto, independentemente do fato de que ainda está pendente de julgamento pelo Plenário da Suprema Corte o pedido de HC 84.548, no qual se discute justamente o poder investigatório do MP. Ele citou vários precedentes da própria Corte para sustentar seu ponto de vista em favor do poder de investigação criminal do MP.
Um deles foi o caso emblemático do recurso em HC (RHC 48.728) envolvendo o delegado do extinto Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de São Paulo, Sérgio Paranhos Fleury, tido como personagem-símbolo do então existente Esquadrão da Morte. Ele era suspeito de eliminar adversários do regime militar e de torturar presos políticos, em ação realizada pelo próprio MP. No julgamento daquele processo, que aconteceu em 1971, sob relatoria do ministro Luiz Gallotti, o STF rejeitou o argumento da incompetência do MP para fazer investigação criminal contra o delegado. A investigação contra Fleury foi comandada pelo então procurador Hélio Bicudo, integrante do MP paulista.
Outro precedente citado pelo ministro Celso de Mello foi o julgamento, pelo Plenário do STF, da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.517, relatada pelo ministro Maurício Corrêa (aposentado), em que a Suprema Corte também reconheceu que não assiste à Polícia o monopólio das investigações criminais.
Caso análogo
O relator se reportou, ainda, ao julgamento do HC 91.661, de Pernambuco, relatado pela ministra Ellen Gracie, também envolvendo um policial. Nele, a 2ª Turma rejeitou o argumento de incompetência do MP para fazer investigação criminal. O decano da corte ressaltou, em seu voto, que este poder investigatório do MP é ainda mais necessário num caso como o de tortura, praticada pela Polícia para forçar uma confissão, desrespeitando o mais elementar direito humano. Até mesmo, escreveu, porque a Polícia não costuma colaborar com a investigação daqueles que pertencem aos seus próprios quadros.
“O inquérito policial não se revela imprescindível ao oferecimento da denúncia, podendo o MP deduzir a pretensão punitiva do estado”, afirmou o ministro Celso de Mello, citando precedentes em que o STF também considerou dispensável, para oferecimento da denúncia, o inquérito policial, desde que haja indícios concretos de autoria. “Na posse de todos os elementos, o MP pode oferecer a denúncia”, completou. “O MP tem a plena faculdade de obter elementos de convicção de outras fontes, inclusive procedimento investigativo de sua iniciativa e por ele presidido.”
Também segundo ele, a intervenção do MP no curso de um inquérito policial pode caracterizar o poder legítimo de controle externo da Polícia Judiciária, previsto na Lei Complementar 75/93.
Competência constitucional
Contrariando a alegação da defesa de que a vedação de o MP conduzir investigação criminal está contida no artigo 144, parágrafo 1º, inciso IV, da Constituição Federal, segundo o qual cabe à Polícia Federal exercer, “com exclusividade, as funções de Polícia Judiciária da União”, todos os ministros presentes à sessão da Turma endossaram o argumento do relator.
Segundo ele, a mencionada “exclusividade” visa, apenas, distinguir a competência da PF das funções das demais polícias — civis dos estados, polícias militares, polícias rodoviária e ferroviária federais. Foi esse também o entendimento manifestado pelo subprocurador-geral da República, Wagner Gonçalves, presente ao julgamento.
Celso de Mello argumentou que o poder investigatório do MP está claramente definido no artigo 129 da Constituição Federal que, ao definir as funções institucionais do MP, estabelece, em seu inciso I, a de “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”. No mesmo sentido, segundo ele, vão os incisos V, V, VII, VIII e IX do mesmo artigo.
O ministro ressaltou que o poder investigatório do MP é subsidiário ao da Polícia, mas não exclui a possibilidade de ele colaborar no próprio inquérito policial, solicitando diligências e medidas que possam ajudá-lo a formar sua convicção sobre determinado crime, como também empreender investigação por sua própria iniciativa e sob seu comando, com este mesmo objetivo.