O Promotor de Justiça Marcus Amorim faz uma reflexão sobre a importância da prova técnica no caso Isabella Nardoni. Leia a íntegra do artigo:
*Marcus Vinícius Amorim de Oliveira
O julgamento do casal Nardoni, acusado do homicídio contra Isabella, durante esta semana, em São Paulo, além de atrair a atenção da sociedade e imprensa brasileiras, também revela certos aspectos que podem ser muito importantes na história do Tribunal do Júri Popular, instituição que se baseia no julgamento por pessoas do povo, escolhidos um tanto quanto aleatoriamente para decidir uma causa referente a crime doloso contra a vida.
A Lei n.º11.689/08, que alterou o procedimento judicial na alçada do Tribunal do Júri Popular, também abriu espaço para que, durante a sessão de julgamento em plenário, as partes possam pedir esclarecimentos dos peritos, que então são ouvidos como se fossem testemunhas do fato. Essa mudança legislativa tende a ampliar a relevância da prova técnica nessa espécie de julgamento, considerando que a cultura judiciária brasileira, por causa da inescondível precariedade da investigação criminal, sobretudo no âmbito da polícia judiciária, mesmo em casos de homicídio, reforça uma experiência bastante pragmática a partir da qual se observa que os processos criminais vêm sustentados, na maioria das vezes, em depoimentos de testemunhas e na versão dos fatos apresentada pelo réu ou pela vítima.
A prova técnica, de elevado conteúdo científico, é aquela que normalmente se destina a demonstrar a existência mesma de um crime, mas nem sempre é útil para apontar o agente responsável. Nada obstante, serve muitas vezes para desmentir uma afirmação feita no processo judicial, aí incluídos os álibis dos réus. Trata-se de um tipo de prova construído com base em raciocínios lógicos e evidências materiais. As afirmações de testemunhas dificilmente se mostram capazes de diluir as conclusões oriundas dos laudos periciais.
No caso Isabella Nardoni, contudo, a utilização da prova técnica sobe mais um degrau, e pode ser crucial para a condenação dos acusados, posto que o crime não teve testemunhas presenciais, a não ser os próprios réus e outras duas pequenas crianças. Pelo que se percebeu ao longo desses dois últimos anos, o trabalho dos profissionais de perícia técnica foi exemplar, algo que deveria, doravante, tornar-se rotina, e não uma exceção em investigações de crimes com repercussão midiática nacional. Agora, os jurados poderão se convencer de que Alexandre e Ana Carolina são culpados da morte de Isabella sem a necessidade de que alguém lhes diga que viu o casal cometendo o crime, e mesmo diante da negativa de autoria que a defesa sustenta. A descoberta de tamanha importância da prova técnica, inclusive, poderá reforçar o discurso de valorização de nossa polícia investigativa, para que ela se afaste cada vez mais das confissões sob pressão, das testemunhas orientadas, dos flagrantes forjados.
*Marcus Vinícius Amorim de Oliveira é Promotor de Justiça e Professor da FANOR
[email protected]