O Procurador de Justiça Francisco Gadelha da Silveira discorre em artigo sobre a “Lei Maluf”, prestes a ser votada na Câmara dos Deputados.
Todo detentor de mandato parlamentar é formalmente legitimado pelo voto dos eleitores. Ipso facto, sua atuação não deve destoar da vontade daquele que o elegeu, sob pena de incorrer, substancialmente, em vício de inconstitucionalidade.
Sabe-se do prestígio emprestado pelo Constituinte originário de 1988 ao Ministério Público, ao ponto de assegurar-lhe as mesmas garantias atribuídas à Magistratura e, ainda, autonomia administrativa e independência aos seus membros no exercício do múnus público.
Vale dizer: alçou-o, dentro da tripartição de poderes, a uma condição tal a permitir, por parte de alguns, tomá-lo como poder atípico.
Com esses, todavia, não concordamos. O Ministério Público não é, efetivamente, um poder. Contudo, substancialmente, tem o poder de fiscalizar, em nome da sociedade, na qualidade de seu advogado, práticas que o Estado Social de há muito repudia.
A “Lei da Mordaça” atenta, flagrantemente, contra as garantias asseguradas ao Ministério Público na Constituição Federal de 1988; é materialmente inconstitucional, pois.
A esse respeito, quer-nos parecer que nem através de Projeto de Emenda Constitucional tais garantias podem sofrer alterações a menor pois, como verdadeiras cláusulas pétreas que são, alterá-las somente é possível com a mudança da ordem jurídica.
A defesa da “Lei da Mordaça” reflete que alguns ainda têm um pé na República e outro na Monarquia, enquanto outros persistem imperiais.
No entanto, discordo, permitam-me fazê-lo, daqueles que denigrem a imagem do autor daquele projeto de lei.
Atitude inútil, porque o Brasil inteiro sabe da integridade moral daquele parlamentar, que nunca foi preso, muito menos incomodado pelo Ministério Público.
Sua reputação no exterior concede-lhe passaporte de Embaixador, de modo a entrar e sair livremente de qualquer país, sem perigo algum de prisão, tudo isso, mercê da lisura com que se conduziu como gestou público “probo”.
Os milhões de dólares existentes em seu nome em paraísos fiscais mundo afora são frutos da imaginação fértil de Promotores de Justiça que não tergiversaram no cumprimento de sua missão e batalharam ardorosamente pela repatriação dos recursos públicos desviados.
Como denegrir a imagem pública de um homem cujo patronímico, substantivo próprio, transformou-se em verbo? Diga que alguém “malufou” e assuma o ônus de responder penalmente pela prática de calúnia.
É inútil, senão redundante, arremato, denegrir a imagem de alguém com tantos predicados que em nada exaltam a dignidade humana.
A Lei da Mordaça: retaliação previsível
A Lei da Mordaça impõe duplicidade de indignação ao membro do Ministério Público, ante a tentativa de se obstar o cumprimento de seu duplo compromisso: ali, de emprestar a maior efetividade à mais democrática de todas as constituições pátrias, no dizer de Ulysses Guimarães, a “Constituição Cidadã”. Aqui, o dever de interpretá-la de baixo para cima e de formar fileiras com os “caras-pintadas”, defensores afetivos dessa mesma Constituição desde os tempos das “Diretas-Já”, muitos dos quais, hoje, são membros do Ministério Público.
É imprescindível o compromisso afetivo e efetivo na defesa dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil; o Ministério Público é a voz da sociedade nesse desiderato.
Como “construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, garroteando a atuação dos membros do Ministério Público?
Como fazer valer os princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, dispostos no art. 37 da Carta Magna, se aquela famigerada lei inibe o Ministério Público de utilizar dos instrumentos de Inquérito Civil e Ação Civil Pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos?
Em resposta, afirmamos, em artigo precedente, que, do ponto de vista substancial, referida lei é inconstitucional.
A Lei da Mordaça, à obviedade, traduz-se em vingança de seu Autor contra Promotores e Procuradores de Justiça que o levaram, juntamente com seu filho, à cadeia por mais de 40 dias.
O Ministério Público não tem tergiversado quanto ao cumprimento dos deveres institucionais que a Constituição lhe outorgou; por conseguinte, tem enfrentado os “poderosos” e sua previsível tentativa de retaliação.
É de trivial sabença constituir o crime de corrupção, subtração de recursos públicos, o mais vil de todos os delitos, por negar pão aos famintos, moradia aos sem-teto, saneamento básico aos que “vivem” em palafitas e encharcados, hospital aos doentes, educação às crianças e jovens, dignidade aos idosos…quem o pratica é inimigo da Constituição, do Ministério Público e do povo.
A corrupção institucionalizou-se; o autor da Lei da Mordaça, lamentavelmente, não está só. Aqueles que cometem tal crime não tem compromisso algum com a Constituição Cidadã, precisam ser extirpados da vida pública através do voto. Para tanto, é preciso educar o povo, promover uma “revolução sem R”, antes que este se rebele para exigir a Constituição de um verdadeiro Estado Social, pois os analgésicos sociais funcionam, mas apenas por algum tempo.
É necessária a arregimentação do povo, para defender seu porta-voz: o Ministério Público.