Policiais federais defendem que a condução da investigação criminal seja feita por Promotores ou Juízes de instrução.

Uma campanha da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), lançada recentemente, defende que o inquérito criminal deixe de ser uma atribuição dos órgãos policiais e passe a ser feito pelo Ministério Público (MP) ou por um representante do Judiciário, como já ocorre em outros países. Para a entidade, essa medida liberaria os policiais para trabalhar em exclusivamente nas investigações, o que melhoraria os índices de resoluções de crimes. “Hoje a polícia está cartorializada, sem ação. Ela deve investigar e não trabalhar como burocrata”, opina o presidente da Fenapef, Marcos Wink.

Uma pesquisa feita pelo sociólogo Michel Misse, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), encomendada pela federação, constatou a baixa qualidade dos inquéritos policiais. Ao longo de 2009, ele e mais quatro pesquisadores de Belo Horizonte, Brasília, Recife e Porto Alegre estiveram presentes em delegacias destas capitais. “O estudo concluiu que os inquéritos são excessivamente burocráticos”, diz Misse.

De acordo com ele, a equipe acompanhou a rotina das delegacias, analisou como são realizadas as investigações e a estrutura e seguiram adiante até o procedimento chegar ao MP. “Nestas cidades, o esclarecimento de casos de roubo chegou a apenas 1% e de homicídio, 15%”, ressalta.

De acordo com o sociólogo, existe hoje uma duplicidade de funções entre o MP e a Polícia Civil. “Há conflito de poderes entre o delegado e o promotor. Hoje o delegado é meio policial e meio promotor”, diz. Na avaliação dele, o trabalho do delegado é praticamente o mesmo do promotor. “Uma solução seria transformar os delegados em promotores, que ficariam encarregados pela denúncia”, afirma. Segundo Misse, a polícia deveria ter formação adequada em investigações criminais e em ciências forenses, mas não necessariamente precisaria ser um bacharel em Direito.

Alternativa

Segundo Wink, a possibilidade de um promotor coordenar o inquérito ou a criação de juizados de instrução, que acompanhariam em tempo real as investigações, são alternativas ao inquérito policial que devem ser mais debatidas. O presidente da Fenapef cita exemplos de países como os Estados Unidos, onde o promotor trabalha muito próximo dos policiais, dando diretrizes e orientações sobre a condução da investigação.

Outra opção seria implantar um sistema como o da Europa, onde o Ministério Público comanda diretamente a investigação. Em casos mais complexos, um juiz também toma conta da apuração. No entanto, a tendência é sempre deixar as investigações sob a coordenação de promotores. Na Inglaterra, a polícia é responsável por tudo. Porém, dentro da estrutura policial inglesa, há uma divisão de acusação, uma espécie de delegados responsáveis pela denúncia.

Tarefa difícil

Transferir a atribuição do inquérito policial, como defende os policiais federais, não é nada fácil. A mudança necessita de modificação no artigo 144 da Constituição. Além disso, o novo Código de Processo Penal entrou em vigor neste ano após anos de debate para sua atualização.

Prioridade deveria ser melhorar a estrutura de investigação

Para o professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Jacinto Coutinho, a transferência do inquérito policial das mãos dos delegados para o Ministério Público (MP) ou para um juizado de instrução só mudaria o problema de lugar. “Tenho muitas dúvidas se essa mudança alteraria o quadro. Na estrutura atual do Estado, nem a polícia, nem o MP e nem a Justiça teriam condições de fazer o que deveriam”, afirma. De acordo com Coutinho, a prioridade deveria ser dar mais condições estruturais aos órgãos que integram o sistema judicial brasileiro.

O procurador da República, João Gualberto Garcez Ramos, defende a ideia de ampliação das possibilidades de investigação. “Não tem mais cabimento falar em exclusividade. Não sou a favor do fim do inquérito, mas sim da ampliação de se fazer investigação”, afirma. Segundo o procurador, é preciso abrir o leque de investigação e possibilitar que o MP também faça esse trabalho.

A Constituição Federal dá à polícia exclusividade sobre as investigações, mas os Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos), do MP, têm hoje uma atuação importante na apuração de crimes, como corrupção e contravenção. No entanto, ainda são responsáveis por uma fatia muito pequena das investigações no país. “Existem ações no Supremo Tribunal Federal (STF) para restringir o poder das investigações do Gaeco”, diz Ramos. Apesar disso, ele acredita que o STF deve reconhecer a possibilidade de o MP investigar em determinadas matérias.

Contrários

Delegados desaprovam proposta

O delegado Rubens Recalcatti, responsável pelo Grupo Honre (Homicídios Não Resolvidos) da Polícia Civil do Paraná, afirma ser contra tirar da polícia a responsabilidade pelos inquéritos.”O inquérito policial funciona bem e não vai funcionar melhor nas mãos do Ministério Público”, afirma ele, que é responsável por cerca de 6 mil inquéritos de homicídios sem solução no estado.

Segundo o delegado, as falhas atuais na investigação ocorrem por falta de estrutura. Para ele, não faz sentido adotar modelos de outros países, já que a estrutura dada às polícias norte-americana e europeia é melhor do que a brasileira. “A realidade deles é outra. Se tiver os mesmos meios, eu toco esses inquéritos com as mãos amarradas”, ironiza.

A Associação dos Delegados da Polícia Civil do Paraná (Adepol) também se manifestou de forma contrária ao projeto dos policiais federais. O presidente da entidade, delegado Kyioshi Hattanda, afirma que a Adepol é a favor do que determina a Constituição, ou seja, de que a investigação criminal continue uma incumbência da polícia.

Fonte: Gazeta do Povo – PR