O Prisma em que viajavam o promotor de Justiça do DF, Albertino de Souza Pereira Netto, e sua família ficou completamente destruído pela forte batida e pelas chamas: todos morreram no local do acidente.

Albertino de Souza Pereira Netto, 35 anos, era filho, marido, pai, amigo, um promotor do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Tinha um senso apurado de Justiça. Era da safra de profissionais que não tem hora para começar, nem para largar o trabalho. Fazia parte do grupo que desvendou os maiores escândalos de corrupção de Brasília. Foi um dos responsáveis pela Operação Megabyte, uma investigação sobre lavagem de dinheiro que jogou luz no personagem Durval Barbosa, central para entender esquemas engenhosos de crime organizado.

Filho de juiz, Albertino dedicou-se a desbaratar contratos sobre armações por onde escoava dinheiro público. Uma dessas maracutaias que se tornou uma brecha para a malversação de recursos do erário são eventos promovidos pelo governo que acabam se transformando em uma festa com o dinheiro público. Combater esses desvios esteve sob a responsabilidade de Albertino. Ele era rigoroso com a transparência e a prestação de contas de contratos na área cultural. É autor de várias ações contra a Secretaria de Cultura pelo que considerava irregular: excessos cometidos com o dinheiro de impostos. O trabalho de Albertino despertou a atenção para a organização de shows superfaturados. Integrou a Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e Social (Prodep). Antes, havia atuado como promotor do Tribunal do Júri da Ceilândia.

Albertino em foto com o filho Bruno e a mulher Roberta: eles iam passar o Natal com a família

No último um ano e meio, Albertino assumiu um papel de comando no Ministério Público. Ele vinha exercendo a chefia de gabinete da procuradora-geral de Justiça do DF, Eunice Amorim Carvalhido. Albertino fez campanha para ela entre os colegas. A popularidade dele e o respeito no Ministério Público foram importantes para que muitos promotores dessem um voto de confiança a Eunice.

Fluminense de Itaperuna (RJ), mas criado em Minas Gerais, Albertino elegeu Brasília como sua cidade após ingressar, em 2003, na carreira que amava. “Nada é mais gratificante do que conseguir condenar bandidos”, costumava dizer aos amigos. Pois bem. Às 6h30 da manhã de ontem, esse homem que dedicou a vida à missão de buscar a Justiça tornou-se mais uma vítima do asfalto. Ele, sua mulher, Roberta Resende Pereira, 34 anos, e filho único do casal, Bruno Resende Pereira, 14. Assim, Brasília, uma cidade carente de retidão, ética e moralização ficou órfã desse promotor de Justiça.

No fim da tarde de ontem, quando amigos se reuniram para acompanhar uma missa em homenagem a Albertino e sua família, Eunice Carvalhido, a chefe do Ministério Público, chorava a perda no auditório do MPDFT. “Não sei se para mim ele era um irmão, um filho ou um amigo. Não sei como lidar com essa perda”, desabafou a procuradora-geral de Justiça. Albertino era gentil. Todos os dias acompanhava Eunice até o elevador e se despedia para o dia seguinte de trabalho. Na última segunda-feira, último dia antes do início do recesso no MP, os colegas contaram que ele ficou no gabinete até as 20h30.

O acidente aconteceu nas primeiras horas da manhã de ontem. Ele levava a mulher, o filho e o cachorrinho, Denver, para passar o Natal em família na cidade de Conselheiro Lafaiete, a 100km de Belo Horizonte (MG). Albertino falava do pai como um exemplo que lhe inspirou a carreira de promotor. A paixão do filho Bruno por cavalos, a mesma que ele tinha, lhe dava orgulho. O menino praticava equitação. Em um porta-retrato na mesa de trabalho, ele mantinha sempre a mulher ao alcance dos olhos.

As mortes de Albertino e da família dele ocorreram no terceiro dia de publicação da série de reportagens do Correio sobre histórias de pessoas do Distrito Federal que se envolveram em desastres fatais. A 10 dias do fim de 2011, o promotor, seu menino e sua mulher entraram para essa triste estatística. Apenas de janeiro a outubro, 77 pessoas morreram em cinco rodovias federais que cortam o DF. Na manhã de ontem uma Saveiro bateu frontalmente no Prisma que Albertino comprara recentemente. Em seguida, o carro pegou fogo. A família toda ficou carbonizada. O reconhecimento oficial será feito por teste de DNA ou pela arcada dentária. Amigos de longa convivência do Ministério Público, no entanto, não tiveram dúvidas sobre a morte da família.

O desastre chegou como uma notícia de terror para os colegas. Assessor de Política de Segurança do Ministério Público, o promotor Eduardo Gazzinelli, o melhor amigo que Albertino tinha em Brasília, foi um dos primeiros a chegar na cena da tragédia. Outros promotores foram até o local, como o coordenador do Centro de Inteligência do Ministério Público, Wilton Queiroz. Eram todos muito próximos.

Falha oficial
Como se não bastasse uma tragédia que fez desaparecer uma família inteira, a intervenção do Estado falhou. Ao interditar a rodovia por causa do acidente, a Polícia Rodoviária Federal não tomou as providências necessárias para isolar devidamente a área e impedir outro triste episódio. A sinalização deficiente do local do acidente acabou provocando outro desastre, a menos de 500 metros de onde a família Pereira morreu. Uma cadeirinha que acomodava e protegia uma criança de 3 anos foi o que restou da batida que matou avó e neta. Houve um engavetamento de oito veículos atingindos por um caminhão que atropelou uma fila de carros parados em função da primeira batida. O Honda Civic onde estavam Jane Hilsea Gomes Santos, 59 anos, e um neto de 3 anos ficou irreconhecível. Em um período de apenas três horas, dois acidentes, envolvendo 11 veículos, custaram a vida de cinco pessoas, além de deixar 11 feridos, sendo quatro deles em estado grave.

Fonte: Correio Braziliense – DF